Durante o feriado de Páscoa, no Rio Grande do Sul foi registrados 10 feminicídios em apenas quatro dias. Dez mulheres assassinadas por companheiros ou ex-companheiros. Não em ruas escuras ou esquinas abandonadas, mas dentro de casa. Na frente dos filhos, da mãe, da família. A violência deixou de ser um problema externo ou ela nunca foi apenas externa? Ela está dentro do lar. No espaço que, teoricamente, deveria ser o mais seguro.
Esses dados revelam uma realidade cruel: o núcleo familiar, que deveria ser espaço de proteção e cuidado, é, para muitas mulheres, o lugar onde sua vida está mais ameaçada. O feminicídio é a forma mais brutal da violência, e ela vem, quase sempre, de quem um dia disse amar. Mas isso poderia ser evitado? Como?
É claro que o Brasil inteiro vive um cenário de insegurança generalizada. Roubos, assaltos, estupros e homicídios atingem índices absurdos. Mas isso já não é um problema conhecido? Por que não conseguimos mudar essa realidade?
A explicação não está em um único fator. Ela envolve medidas de segurança ineficazes, sensação de impunidade, educação precária, ausência de políticas preventivas e um sistema de justiça que não protege quem mais precisa. A cada 6 horas, uma mulher é morta. Em 2024, o Brasil contabilizou 1.450 feminicídios. Isso deveria ser inaceitável, mas é estatística. E essa estatística serve pra que?
E quando uma mulher pede ajuda, a dúvida é legítima: a polícia vai chegar? E se chegar, ainda estará em tempo? A gente sabe que o Estado falha. E sabe que a sociedade silencia. Mas o que estamos fazendo com essa informação?
A resposta precisa vir acompanhada de um incômodo real. Porque talvez a raiz de tudo esteja no básico que esquecemos de ensinar. Onde foi que o respeito deixou de ser prioridade dentro de casa? Onde o “homem não chora” virou “homem domina” “Homem mata” “É natureza do Homem”? Onde a criação com afeto e limites cedeu lugar à raiva, ao controle e à violência disfarçada de amor?
E o questionamento persiste: o que a falência da educação no núcleo familiar tem gerado, senão consequências cada vez mais graves e incontroláveis? Essa ausência de limites, de correção e de orientação dentro de casa não forma apenas homens violentos. Forma adultos emocionalmente desajustados, inseguros, frustrados e incapazes de lidar com o “não”. Homens que acham que têm o direito de controlar, de punir, de calar. Gerações criadas sem senso de responsabilidade, sem empatia e sem noção das consequências dos próprios atos.
Não se trata apenas de ausência de educação formal, mas de uma falência na base: a educação moral, o senso de dever, de limite, de respeito pelo outro. Uma sociedade onde tudo é permitido, onde ninguém se responsabiliza, onde a autoridade dos pais é substituída por telas, distrações ou permissividade absoluta, colhe o que estamos vendo: descontrole. Instabilidade. Violência.
E o mais perigoso é que essa falta de estrutura familiar está sendo normalizada. Pais que têm medo de dizer “não”, escolas que não podem corrigir, crianças que crescem acreditando que tudo gira ao seu redor — inclusive as pessoas.
Mais do que novas delegacias ou plataformas digitais de denúncia, que sim, são necessárias, o que o Brasil precisa é reconstruir o valor da vida dentro do lar. Nenhuma política pública vai funcionar se a sociedade continuar relativizando agressão, romantizando ciúmes, e ignorando os sinais até que a tragédia vire luto.
O que aconteceu no Rio Grande do Sul não é só um alerta. É um grito. Um grito abafado por anos de silêncio, de medo, de vergonha. Até mesmo quando estamos reunidas em família, estamos vulneráveis. Até mesmo celebrando a Páscoa, símbolo de renascimento, estamos enterrando mulheres.
Isso não pode mais ser tratado com normalidade. É um chamado à ação. À urgência. À mudança.