O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) é um dos documentos mais relevantes e, paradoxalmente, um dos mais negligenciados na prática médica contemporânea. Trata-se de um instrumento jurídico e ético que formaliza a manifestação de vontade do paciente em submeter-se a um procedimento ou tratamento, após ter sido devidamente informado sobre sua natureza, riscos, benefícios, alternativas e possíveis complicações. Em outras palavras, o TCLE é a concretização do princípio da autonomia da vontade, consagrado tanto na bioética quanto no direito médico, e representa a materialização do dever de informação imposto ao profissional de saúde.
Do ponto de vista jurídico, o TCLE tem valor probatório essencial. Ele demonstra que o médico cumpriu seu dever de esclarecimento, dever este previsto no artigo 6º, inciso III, do Código de Defesa do Consumidor, e reafirmado pelo Código de Ética Médica (Resolução CFM nº 2.217/2018). Ao explicitar que o paciente compreendeu e consentiu de forma livre e consciente, o termo protege o profissional de acusações baseadas em suposto erro ou omissão, uma vez que comprova a transparência e o diálogo que devem permear a relação médico-paciente.
Contudo, ainda é comum observar que muitos profissionais da saúde negligenciam a adoção adequada desse documento. Essa omissão decorre, em parte, de uma herança cultural da medicina tradicional, marcada pelo paternalismo quando o médico era visto como a autoridade absoluta e o paciente, um sujeito passivo que apenas acatava orientações. O que não é mais uma realidade, os pacientes estão cada vez mais educados e orientado de seus direitos.
Nesse contexto, muitos médicos ainda acreditam que o vínculo de confiança seria suficiente para afastar responsabilidades. Outros, por sua vez, tratam o TCLE como uma formalidade dispensável, ou temem que a exposição dos riscos possa causar insegurança ao paciente, o que é uma absoluta falácia.
Essa visão é equivocada. Longe de afastar o paciente, o termo reforça a relação de confiança e demonstra ética e profissionalismo. Ele não deve ser visto como um obstáculo à prática clínica, mas como uma ferramenta de proteção recíproca que assegura o direito do paciente de decidir sobre seu próprio corpo e, ao mesmo tempo, garante ao médico a segurança de que sua conduta foi transparente, técnica e responsável.
Em uma eventual demanda judicial, a ausência do TCLE fragiliza a defesa do profissional. Na falta desse documento, prevalece a palavra do paciente, e o médico passa a enfrentar uma inversão do ônus da prova. Não é incomum que profissionais tecnicamente impecáveis sejam condenados não pelo ato médico em si, mas pela incapacidade de demonstrar que o paciente foi plenamente informado, ou seja, por falta de provas. É nesse ponto que o TCLE se revela mais do que uma formalidade: ele é, de fato, um escudo jurídico e ético.
O TCLE não impede a judicialização, mas previne interpretações desfavoráveis e comprova que o médico agiu dentro dos parâmetros legais e éticos. Cada termo deve ser elaborado de forma individualizada e personalizada, clara e compatível com o procedimento realizado, evitando modelos genéricos que comprometem sua eficácia. Quando redigido corretamente, o TCLE resguarda o profissional, reforça a autonomia do paciente e contribui para a integridade e segurança da relação terapêutica.
Em síntese, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido é a linha que separa a boa prática médica da vulnerabilidade jurídica. Ele preserva a ética, protege o profissional e dá segurança ao paciente. Ignorá-lo é abrir mão de um dos mais importantes instrumentos de proteção da medicina moderna e, em muitos casos, é arriscar uma carreira inteira por um documento que poderia tê-la salvado.
Eizzi Benites Melgarejo OAB/RS 86.686 – especialista em direito médico e privacidade – sócia do escritório Urach, Jensen, Abaide, Melgarejo e Brum.








