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Chá das Cinco e Chuva de Dados: crônica de uma intercambista de meteorologia

Conhecer Bristol na Inglaterra, foi como folhear um livro de história gótico com páginas vibrantes e modernas. A University of Bristol, que atualmente ocupa a 51ª posição entre as melhores universidades do mundo, com sua arquitetura imponente e antiga me deixou imediatamente impressionada, um cenário deslumbrante para uma estudante de meteorologia da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Eu estava ali, em solo britânico, para o meu Doutorado Sanduíche financiado pela CAPES, pronta para mergulhar no meu projeto sobre a Análise de Extremos Hidrometeorológicos no Brasil.

O que mais me cativou de imediato foi o encanto pela cordialidade britânica. Eles são educados ao ponto de pedirem desculpa por você ter esbarrado neles! E o clima? Para minha sorte, de abril a setembro, escapei do frio e da chuva que tanto temia, encontrando uma cidade mais ensolarada e acolhedora do que os estereótipos. Bristol, sendo uma cidade universitária, é uma mistura de culturas, cheia de estudantes do mundo todo.

O primeiro mês em Bristol foi um “extremo” de adaptação, para usar um termo que a meteorologia me ensinou tão bem. A cabeça, que estava focada em assimilar o conjunto de dados da minha pesquisa, também tentava decifrar o mapa de ônibus e a lógica dos supermercados. Parecia que cada saída de casa era um mini-projeto de pesquisa: com uma pesquisa prévia sobre como chegar a um determinado lugar sem precisar parecer como uma turista perdida.

E a saudade? Ah, ela vinha como uma onda lenta, mas persistente. No início, ela tinha o peso de tudo que estava distante: a família, os amigos, a UFSM, e a facilidade do português. No entanto, o tempo, esse grande agente de mudança, transformou a paisagem. A partir do segundo mês, Bristol foi deixando de ser um cenário de cartão-postal e se tornou, simplesmente, minha casa.

Cenários da minha rotina em Bristol. Da esquerda para a direita: um dos prédios de arquitetura gótica da University of Bristol, a vista maravilhosa do parque Brandon Hill e o pôr do sol no Rio Avon (Fotos por Stéfani Kunzler).

O meu refúgio e desafio era o Departamento de Hidrologia – um dos melhores do mundo. Lá, as reuniões com o Grupo de Extremos Hidroclimáticos eram momentos de puro aprendizado. A liderança britânica da Dra. Gemma Coxon e o acolhimento do meu supervisor, Dr. Rodolfo Nóbrega, um engenheiro civil brasileiro que trabalha há muitos anos com Hidrologia, foi a combinação perfeita. Ter o professor Rodolfo por perto amenizou o choque cultural, mas não eliminou a luta diária com o idioma. Sotaques carregados e gírias me faziam pedir: “Could you repeat that, please?” — não só na academia, mas em todo lugar. Felizmente, com tantos estrangeiros, a paciência dos ingleses era notável.

E por falar no Brasil, o momento mais inesperado veio em uma das aulas da disciplina “Mundo em Crise? Uma Introdução” , que juntava professores de hidrologia, clima e engenharia. O professor Rodolfo, que também era brasileiro, fez questão de mostrar mapas e discussões focadas no nosso país! Foi um lembrete vívido de que, mesmo estando a milhares de quilômetros, as nossas origens e a nossa ciência estavam sendo disseminadas.

No quesito costumes, a Inglaterra me reservou algumas surpresas: a ausência da nossa sagrada pausa do almoço foi uma delas, para eles, almoço é um lanche rápido, um sanduíche devorado no meio de uma reunião ou palestra. Meu estômago brasileiro demorou para se acostumar com essa praticidade frenética. E o famoso chá das 5? Eu esperava ver um ritual do chá em cada esquina. Que nada! A maioria das pessoas, principalmente as mais jovens e atarefadas, não tomava o famoso chá inglês. Era mais um hábito dos nativos e dos mais velhos.

O que me salvou da imersão total em “Vazão vs Precipitação” foi a natureza. O Reino Unido tem muito mais áreas verdes do que eu imaginava. Meu parque favorito em Bristol foi o Brandon Hill que apesar da subida intensa, tinha uma vista maravilhosa e muitos esquilos — ah, os esquilos!

E o último mês? foi a antítese do primeiro. Se a chegada foi difícil pela novidade, a partida foi dolorosa pela familiaridade. Olhar para a cidade, visitar meu local preferido próximo ao rio Avon e saber que era a hora de voltar para o meu país e para a conclusão da minha tese, partia o coração, mas também dava a sensação de missão cumprida. A despedida dos novos amigos, da cultura e da rotina acadêmica que me desafiou e me fez crescer, foi o meu próprio “extremo” emocional da viagem. Cheguei buscando ciência, mas parti deixando um pedaço de mim na Inglaterra.

No fim, o intercâmbio foi muito mais que análise de dados, geração de mapas e muita leitura de artigos. Foi sobre entender que a vazão da água pode ser comparada à nossa trajetória: cheia de variabilidades e extremos. E, assim como o meu projeto visa contribuir para a redução da vulnerabilidade hídrica do Brasil, a minha experiência em Bristol me fortaleceu, me equipou e, o mais importante, me deu histórias para contar.

Meu agradecimento especial à CAPES, Universidade Federal de Santa Maria e às professoras Nathalie Tissot Boiaski e Simone Erotildes Teleginski Ferraz do Grupo de Pesquisas em Clima pelo apoio e incentivo.

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