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VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA SOB A ÓTICA MÉDICO-LEGAL – O QUE A PERÍCIA REVELA ALÉM DO DISCURSO 

Era fim de tarde quando subi ao palco do congresso para apresentar um tema que, por vezes, silencia corredores hospitalares e inquieta tribunais: violência obstétrica.

Entre olhares atentos de médicos, advogados, gestores de saúde e estudantes, uma pergunta pairava no ar — seria possível diferenciar, com precisão técnica, o que é assistência obstétrica adequada e o que ultrapassa o limite ético, convertendo-se em violação de direitos?

Naquele momento, percebi que mais do que uma palestra, tratava-se de um chamado. A medicina moderna exige ciência, mas a justiça exige prova, lógica e fundamentação. É nesse ponto que nasce a perícia médico-legal em obstetrícia, um campo que cresceu silenciosamente e hoje se tornou indispensável para compreender controvérsias assistenciais em sala de parto.

Violência Obstétrica — Entre conceito, evidências e responsabilidade

Embora o termo seja frequentemente debatido na imprensa, o olhar pericial segue um caminho diferente: menos emoção, mais evidência.

Na prática médico-legal, reconhecer violência obstétrica significa responder a três perguntas estruturantes:

  1. Houve desvio técnico?

— O ato obstétrico seguiu protocolos vigentes FEBRASGO, OMS, ACOG, CFM?

  1. Existiu dano comprovado?

— Físico, psicológico ou funcional.

  1. Há nexo causal demonstrável entre conduta e lesão?

— Uma linha lógica, temporal e científica.

Sem esses três elementos, não existe conclusão pericial possível — existe alegação, mas não fato técnico validado.

O método que fundamenta o parecer médico-legal

Durante o congresso apresentei, com base em diretrizes atualizadas da ABMLPM (2024), um método científico aplicado às demandas judiciais envolvendo parto e puerpério.

Não basta relatar — é preciso demonstrar.

O que o perito avalia?

Elemento TécnicoPergunta pericial chave
DocumentaçãoExiste registro das indicações clínicas?
ProtocoloConduta está alinhada aos guidelines vigentes?
ConsentimentoA paciente foi informada? Houve autorização?
Nexo CausalO dano decorre logicamente da conduta?

Essa estrutura evita subjetividade e torna clara a distinção entre intercorrência obstétrica possível e violência obstétrica comprovada.

Quando o prontuário fala — e quando o silêncio documenta a verdade

Uma das reflexões que mais impactou o público foi simples, porém poderosa:

O que não está documentado, não existiu.

Do ponto de vista pericial, ausência de indicação registrada para episiotomia, cesariana, manobras ou uso de ocitocina inverte o ônus probatório, sugerindo procedimento sem necessidade clínica.

O silêncio do prontuário pode ser mais barulhento do que qualquer testemunho.

Medicina e direito caminhando juntos

Ao final da apresentação, a sensação era clara: o debate sobre violência obstétrica não se resolve apenas com opinião — exige método, ciência, literatura e responsabilidade técnica.

O julgador decide.

O advogado argumenta.

Mas o perito esclarece.

É nessa ponte entre saúde e direito que essa coluna nasce —  acessível, tecnicamente sólida — para apoiar profissionais que atuam na linha tênue entre o cuidado e o litígio.

Reinaldo Guidolin

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