Por Amanda Teixeira
Em Santa Maria, ele se tornou nome de bairro, rua e escola. O que poderia ser apenas uma homenagem a um homem comum, carrega a memória de uma história de devoção religiosa que se tornou parte do patrimônio cultural da região. Filho de imigrantes italianos, João Luiz Pozzobon nasceu em 1904, em local atualmente parte de São João do Polêsine. Foi um homem simples, comerciante e pai de sete filhos. Era tão devoto à fé católica que se tornou inspiração para pessoas de diversos locais.
A primeira parte de sua história é contada na Casa Museu I, em São João do Polêsine, local que recebe peregrinos de diversos países todas as semanas. Valserina Bulegon Gassen, que cuida do espaço, afirma que foi uma vida de sacrifícios, como de toda imigração italiana, mas o espaço guarda a memória de um nascimento importante: “eu sempre digo que o lugar mais sagrado é onde ele nasceu. Não é onde ele morreu, porque ele veio ao mundo aqui”



A casa, reconstruída nos moldes das residências típicas dos colonizadores, hoje guarda não só objetos, mas memórias afetivas de uma cultura que mistura fé, tradição e coletividade. É ali que os visitantes escutam histórias sobre os primeiros anos de vida de João.
“Sou pequeno, mas quero ser grande no meu agir”
João Pozzobon frequentou a Igreja Católica desde cedo. Seu primeiro contato foi na Igreja São Pedro, na localidade em que nasceu. Ele chegou a ingressar no Seminário Palotino de Vale Vêneto aos 10 anos para se tornar padre, mas ficou apenas dez meses e precisou voltar para casa por necessidade dos pais e problemas de visão.
Pozzobon morou em Restinga Sêca e depois se mudou para Santa Maria para cuidar da saúde da primeira esposa, Theresa Turcato, que faleceu pouco depois. Em 1933, João se casou com Vitoria Filipetto, com quem teve cinco filhos. Em Santa Maria, ele começou a frequentar a Paróquia Nossa Senhora das Dores, próxima ao seu novo endereço, no Bairro Km 3. Foi no município que conheceu o Movimento de Schoenstatt e a pedagogia de seu fundador, Padre José Kentenich. O Santuário de Schoenstatt de Santa Maria foi a réplica do original, na Alemanha, construído no Brasil.
Foi convidado para uma missão em 1950, em que deveria levar a imagem da Mãe, Rainha e Vencedora Três Vezes Admirável de Schoenstatt para visitar famílias em Santa Maria. O que seria uma tarefa temporária, virou missão de vida.
“Ele acompanhou uma das visitas e, ao final, entregaram a imagem para que ele seguisse levando às casas até novembro. Mas ele pediu para continuar além daquele prazo, e assim foi. Por 35 anos, ele não deixou de sair nenhum dia”, conta o padre Vitor Hugo Possetti, responsável pela causa.
João percorreu cerca de 144 mil quilômetros, com a imagem de 11 quilos no ombro, rezando o terço com famílias e visitando escolas, presídios, hospitais e comunidades durante os seus anos de peregrinação. Ao longo do tempo, muitos moradores começaram a interessar pelas visitas e também queriam receber a imagem em casa, então surgiu a ideia de construir capelas pequenas que circulassem em grupos de cerca de 30 famílias. Foi o início da Campanha da Mãe Peregrina, que hoje está em mais de 100 países e em todos os continentes.
“Quero ser um imitador de Cristo e de Maria de Schoenstatt. Sou pobre em tudo, mas tenho tudo”



A casa onde viveu seus últimos anos também foi transformada em museu. Quadros desenhados por ele marcam as paredes, cada um representando um ano de peregrinação. A materialidade da fé também se faz presente em objetos como uma enxada marcada com cinco ranhuras, para que pudesse rezar o terço enquanto trabalhava em sua horta. Esses elementos hoje são peças-chave de um acervo que ajuda a contar não só a história de João, mas também da cultura local.
João era um grande amigo das comunidades mais pobres da cidade e tentava ajudar como podia. Pouco depois do início da campanha, em 1952, construiu a Vila Nova da Caridade, com 14 casas para moradia gratuita e acolhimento de pessoas carentes. No local também foi construída a capelinha Azul, que além de espaço de oração, serviu como escola e espaço para a catequese das crianças. Ao longo dos anos, também implementou a capelinha Branca, na Vila Bilibiu, e a Rosa, na Vila Floresta. Em 1972, ele foi ordenado Diácono Permanente da Igreja, passando a celebrar batismos e matrimônios.



João faleceu em 1985, aos 80 anos, exercendo sua fé. Estava a caminho do Santuário, a pé, para a missa da manhã de 27 de junho, quando foi atropelado por um caminhão. Ele foi encaminhado ao hospital, mas não resistiu. O Padre Vitor conta que ele costumava dizer que sua morte seria a sua última romaria: “No testamento dele, ele escreve isso e ele fala que se algum dia encontrassem ele morto pelo caminho, saibam que ele morreu de alegria”
O arcebispo de Santa Maria, Dom Leomar Brustolin, afirma que João Pozzobon será sempre um modelo de homem que saiu de sua zona de conforto para realizar sua missão considerada divina.
“Um homem simples, com uma missão simples, um trabalho ordinário de valor extraordinário. Aqui está a grandeza de João, em fazer algo normal, se transformar em algo sobrenatural.”, diz o arcebispo.
Seu processo de beatificação foi aberto em 1994 na Arquidiocese de Santa Maria. A fase diocesana foi concluída em 2009 e mais de 10 mil e 500 documentos foram enviados impressos para a Congregação da Causa dos Santos, em Roma. João passou a ser considerado “Servo de Deus”. Neste ano, foi declarado como “Venerável” pela Igreja Católica. Agora, é preciso a confirmação de um milagre para que se torne “Beato” e de dois para que seja canonizado ou santificado. Se o Vaticano declarar a canonização, João Pozzobon se tornará o primeiro santo do Rio Grande do Sul.
O trajeto percorrido por João Pozzobon deve impulsionar ainda mais o turismo religioso da região. De acordo com a Secretaria de Turismo de Santa Maria, a expectativa é de que o número de peregrinos visitando a cidade cresça nos próximos anos, e que o município esteja preparado para recebê-los. Há um projeto em andamento para requalificar os principais locais de peregrinação do diácono. A proposta é que esses espaços estejam prontos para acolher os visitantes, enquanto a cidade se estrutura para oferecer outras atrações, pontos de visitação e opções de acomodação.
Dom Leomar Brustolin relata que o desafio da arquidiocese é fazer com que João Pozzobon seja tão reconhecido pelos moradores de Santa Maria, quanto pelos dos municípios da Quarta Colônia. “Peregrinos sempre vieram, nosso problema aqui e missão nossa é fazê-lo conhecido em Santa Maria.”, reflete.
“Hoje ele é um sinal luminoso para essa cidade para mostrar que é possível valorizar a família, a fé e os pobres. Isto para nós é modelo, é exemplo de santidade.”, afirma Dom Leomar.
Fotos: Amanda Teixeira