Na calada da madrugada do dia 17 de julho de 2025, enquanto a maioria dos brasileiros dormia, a Câmara dos Deputados aprovou a versão final do Projeto de Lei 2159/21, o infame PL da Devastação. O nome não é exagero: trata-se de uma manobra articulada para desmontar o Licenciamento Ambiental no Brasil, enfraquecer o controle sobre obras potencialmente poluidoras e colocar os interesses econômicos à frente do direito à vida, à saúde e ao equilíbrio ecológico.
Com 267 votos favoráveis e 116 contrários, o plenário ignorou o apelo de ambientalistas, cientistas, indígenas, quilombolas e até membros do próprio governo federal. O texto, agora pronto para ser sancionado ou vetado pelo presidente Lula, representa uma bomba-relógio instalada no coração da política ambiental brasileira. A pressão por seu veto total é legítima, urgente e inadiável.
O PL, que havia sido aprovado no Senado em maio com algumas emendas suavizadoras, retornou à Câmara com dispositivos perigosos mantidos e alguns agravados. A proposta permite que empreendimentos de grande impacto ambiental, como estradas, linhas de transmissão, atividades agropecuárias e mineração, deixem de passar por análise técnica caso se encaixem em critérios genéricos definidos pelos próprios estados e municípios. Em outras palavras: cada ente federativo poderá afrouxar as exigências à sua maneira, favorecendo interesses locais e precarizando a proteção socioambiental.
Além disso, institucionaliza o autolicenciamento ambiental, chamado de LAC — Licença por Adesão e Compromisso —, que dispensa análise caso o empreendedor apenas declare atender os requisitos legais. Isso significa que o mesmo país onde o garimpo ilegal devasta terras indígenas poderá ver, agora legalmente, obras se autoautorizando a intervir sobre rios, florestas e comunidades.
O texto ainda enfraquece o papel do ICMBio, da Funai, do Ibama e do próprio Ministério do Meio Ambiente, transferindo poder decisório para instâncias menos preparadas ou mais suscetíveis a pressões políticas. O retrocesso é brutal. Estamos abrindo mão, de forma institucionalizada, do princípio da precaução, base da legislação ambiental moderna.
Vale lembrar que os órgãos ambientais federais, como Ibama e ICMBio, já enfrentam cortes orçamentários severos e defasagem de pessoal. Ao tirar desses órgãos a autonomia para intervir em licenciamentos de abrangência nacional, o PL enfraquece a fiscalização de empreendimentos com impactos transfronteiriços ou intermunicipais, justamente aqueles com maior potencial de dano. O risco é que os territórios mais frágeis ambientalmente, como a Amazônia e o Cerrado, se tornem ainda mais vulneráveis à exploração desenfreada, com respaldo legal.
É preciso lembrar que licenciamento ambiental não é entrave. É garantia. Ele existe para proteger vidas, evitar tragédias como Mariana e Brumadinho, minimizar impactos, prevenir conflitos. Sem ele, voltamos a um tempo em que as decisões eram tomadas no escuro, e as consequências, pagas em sangue, solo contaminado e comunidades abandonadas.
A pergunta que fica é: por que tanta pressa para destruir o que levou décadas para ser construído? Quem se beneficia quando o Estado fecha os olhos para o impacto ambiental de grandes obras? Não é o cidadão comum. Não é a natureza. São interesses econômicos imediatistas que não se importam com as próximas gerações.
Estamos falando de um projeto de lei que desconsidera a ciência e silencia as vozes dos territórios afetados. Ignora estudos de impacto acumulado, despreza o valor dos serviços ecossistêmicos, e fragiliza o dever de consulta prévia a povos indígenas e comunidades tradicionais, previsto na Convenção 169 da OIT. As consequências não serão apenas ambientais… serão sociais, sanitárias e econômicas. O retrocesso custará caro: perda de biodiversidade, conflitos fundiários, insegurança hídrica e, inevitavelmente, isolamento internacional nas cadeias de comércio e clima.
Presidente Lula, o Brasil está de olhos abertos. A sociedade científica, os movimentos sociais e o povo da floresta exigem: veto total ao PL da Devastação.
Este não é apenas um projeto de lei. É uma sentença de risco para o futuro ambiental do Brasil. O Brasil está em uma encruzilhada histórica. Ou reafirma seu compromisso com o meio ambiente, com o Acordo de Paris, com os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável e com a segurança das futuras gerações, ou se rende ao curto-prazismo predatório de quem lucra às custas da destruição. O tempo para decidir é agora. O veto ao PL 2159/21 não é apenas um gesto político. É um posicionamento civilizatório.