Há alguns dias, fui procurada por um cliente em uma situação emergencial. A mãe de suas duas filhas, de 3 e 5 anos, havia sido hospitalizada, e ele estava com as meninas desde a segunda-feira. Logo no início da conversa, ele demonstrava cansaço e apreensão. Contou que não estava conseguindo trabalhar, já que é remunerado por hora, e que nem sequer conseguia levar as filhas à escola, pois a instituição ficava muito longe de sua residência. Em meio ao relato, ele me perguntou, surpreso e quase indignado: “Mas a guarda não é dela?”.
Esse questionamento, que parece simples, carrega um equívoco que encontro com frequência na advocacia de família: a ideia de que, se a guarda é unilateral da mãe, o pai estaria livre das responsabilidades cotidianas, salvo em momentos de convivência previamente ajustados. Na prática e juridicamente, não é assim que funciona.
Expliquei ao meu cliente que, embora a guarda seja unilateral da mãe, o poder familiar continua sendo conjunto. Isso significa que os deveres de sustento, cuidado e proteção recaem sobre ambos os pais, independentemente do regime de guarda. O artigo 1.634 do Código Civil, bem como o artigo 229 da Constituição Federal, deixam claro que os pais têm obrigações iguais perante os filhos. A guarda unilateral, prevista no artigo 1.583, §1º, do Código Civil, define quem toma as decisões do dia a dia, mas não isenta o outro genitor de se responsabilizar quando necessário.
Naquele momento, eu o aconselhei de forma direta: ele era o responsável natural e imediato pelas filhas enquanto a mãe estivesse impossibilitada, devendo assumir os cuidados integralmente. O pai, ainda que enfrente dificuldades logísticas ou profissionais, não pode se eximir desse dever, porque se trata de uma responsabilidade que decorre diretamente da filiação e do poder familiar.
Durante a conversa, percebi que ele também tinha a expectativa de que a família materna assumisse os cuidados temporários. Argumentou que seria mais prático que os avós maternos, que moram perto da escola, cuidassem das meninas até a alta hospitalar da mãe. Expliquei, então, que essa expectativa é comum, mas não encontra respaldo jurídico. A família materna não possui obrigação legal imediata de assumir o cuidado cotidiano. Conforme o artigo 33 do Estatuto da Criança e do Adolescente, somente em situações excepcionais ou mediante decisão judicial é que a guarda pode ser formalmente transferida a terceiros. O Código Civil, em seus artigos 1.634 e 1.696, também reforça que o dever de sustento e cuidado é, antes de tudo, dos pais, e só alcança os avós em caráter subsidiário e em situações de necessidade comprovada, como nos casos de pensão alimentícia.
Essa realidade jurídica expõe, ao mesmo tempo, uma questão social que merece reflexão. Na maioria das famílias, quando uma mãe adoece ou enfrenta dificuldades, ela ainda assim encontra meios de manter a rotina dos filhos, muitas vezes sem rede de apoio, conciliando doença, trabalho e cuidados. Para ela, a parentalidade é permanente e inegociável. Já quando o pai se vê diante do cuidado integral por alguns dias, o impacto na sua rotina parece insuperável, e a primeira reação costuma ser buscar terceiros para assumir esse papel.
É importante deixar claro que essa observação não serve para demonizar os pais. Alguns agem assim por desconhecimento e por nunca terem vivenciado a sobrecarga que historicamente recai sobre as mulheres, outros, realmente por ignorarem suas responsabilidades. No caso concreto, após nossa conversa, meu cliente reorganizou sua rotina e conseguiu assumir integralmente o cuidado das filhas durante o período em que a mãe esteve hospitalizada. O episódio, embora cansativo para ele, foi também revelador: entendeu, na prática, que guarda unilateral não significa ausência de responsabilidades.
Do ponto de vista jurídico, essa situação ilustra de forma muito clara que a parentalidade é integral, contínua e intransferível. Não existe autorização legal para que o pai transfira seus deveres à família materna quando a mãe está impossibilitada, salvo em casos excepcionais com autorização judicial. Do ponto de vista social, reforça-se a necessidade de conscientização sobre a corresponsabilidade parental, para que filhos não sejam uma extensão exclusiva da vida materna e para que homens e mulheres compartilhem, de forma justa, tanto os momentos leves quanto os dias difíceis da parentalidade.
Concluo este relato com a mesma frase que disse ao meu cliente: ser pai ou mãe é para todos os dias, inclusive para aqueles em que a rotina exige mais de nós do que gostaríamos.