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Licenciamento Ambiental: entre o avanço e o retrocesso

Nos últimos dias, o debate sobre licenciamento ambiental voltou ao centro das atenções nacionais. O presidente sancionou, com vetos, o projeto de lei que altera profundamente as regras para concessão de licenças ambientais no Brasil. Para quem, como eu, vive a prática do licenciamento no dia a dia, acompanhando obras, elaborando projetos, conversando com empreendedores e enfrentando a complexa malha de exigências legais, é impossível não enxergar os riscos e as oportunidades embutidos nessas mudanças.

O licenciamento ambiental não é apenas um carimbo que autoriza o início de uma obra ou atividade. Ele é, antes de tudo, um processo de avaliação de riscos e impactos, que busca conciliar desenvolvimento e preservação. É nesse espaço que se mede o quanto um projeto pode interferir nos recursos naturais, no equilíbrio dos ecossistemas e na qualidade de vida das comunidades afetadas.

A nova lei, ou melhor, o que restou dela após os vetos, traz mudanças significativas. Alguns trechos, como a dispensa de licenciamento para determinadas atividades agropecuárias ou de infraestrutura, foram barrados pelo Executivo, justamente pelo risco de abrir brechas para desmatamento e degradação sem avaliação prévia. Outros pontos, porém, permaneceram e merecem atenção: a ampliação das hipóteses de licenciamento simplificado, a possibilidade de autodeclaração em determinados casos e prazos mais curtos para análise.

A agilidade é um desejo legítimo ninguém quer ficar meses ou anos aguardando uma licença para iniciar um projeto viável e seguro. Mas é preciso cuidado para que o “destravar” de processos não se transforme em “liberar sem avaliar”. Uma licença ambiental não deve ser vista como obstáculo, e sim como ferramenta de prevenção. Quando é bem feita, evita retrabalhos caros, paralisações judiciais e, principalmente, desastres ambientais e sociais que custam muito mais do que qualquer prazo de análise.

O Brasil é um país de dimensões continentais, com realidades ambientais e socioeconômicas muito distintas. Um empreendimento que parece simples em uma região pode gerar impactos graves em outra. Por isso, flexibilizar demais as regras, sem considerar essas diferenças, pode significar dar carta branca para projetos mal planejados avançarem sobre áreas frágeis, como matas ciliares, encostas e territórios de comunidades tradicionais.

No campo da construção civil, arquitetura e engenharia, essas mudanças exigem atenção redobrada. Projetos que antes precisariam de estudos ambientais completos podem passar a tramitar de forma simplificada. Isso pode ser bom para obras pequenas e de baixo impacto, desde que não se caia na tentação de enquadrar empreendimentos mais complexos nessa categoria para “ganhar tempo”. Aqui mora um dos perigos: o licenciamento simplificado não substitui um bom diagnóstico ambiental, e a ausência desse diagnóstico costuma cobrar a conta mais cedo ou mais tarde.

Há ainda um ponto que me preocupa especialmente: a falta de alinhamento entre o projeto técnico e as exigências do licenciamento. Já vi inúmeros casos em que o arquiteto ou engenheiro desenvolve um projeto completo sem ter feito uma consulta prévia na prefeitura ou no órgão ambiental. Quando o processo chega para análise, descobre-se que a área está em zona de preservação, que há restrições de altura, que o uso do solo não é permitido ou que será necessário um estudo de impacto ambiental. Resultado? Retrabalho, custos adicionais e, muitas vezes, frustração do cliente.

As mudanças na lei tornam ainda mais urgente a integração entre quem projeta e quem licencia. Se o processo for conduzido de forma estratégica, com diagnósticos preliminares, análises de viabilidade e adequação às regras ambientais desde o início, é possível aproveitar a simplificação trazida pela nova lei sem abrir mão da segurança jurídica e ambiental.

Mas não podemos esquecer que licenciar é também pensar no longo prazo. Um projeto aprovado às pressas, sem considerar o contexto ambiental, pode gerar problemas estruturais, riscos à saúde pública, degradação de áreas naturais e até conflitos sociais. É por isso que a prevenção, tão defendida na engenharia e no urbanismo, deve permanecer no centro da pauta ambiental.

Os vetos presidenciais indicam que o governo reconhece a necessidade de manter certos filtros. Mas a pressão para “facilitar” sempre volta, e ela vem de diversos setores econômicos. Cabe a nós, profissionais, sermos a voz técnica que explica ao cliente, ao gestor público e à comunidade que licenciamento não é atraso: é investimento em segurança, qualidade e sustentabilidade.

O desafio agora é acompanhar como estados e municípios vão adaptar suas normas à nova lei. Em cidades como Santa Maria e tantas outras, já lidamos com estruturas enxutas de fiscalização e análise técnica. Se a demanda por licenças aumentar sem o devido reforço dessas equipes, corremos o risco de ver processos acelerados à custa da qualidade das análises. 

O licenciamento ambiental é, sim, um campo onde é possível avançar em eficiência e digitalização. Mas isso precisa andar de mãos dadas com fiscalização, capacitação técnica e planejamento integrado. Sem esses pilares, estaremos apenas acelerando um carro sem freios em direção a um paredão.

Enquanto engenheira e cidadã, acredito que desenvolvimento e preservação não são inimigos. Mas para que caminhem juntos, precisamos de regras claras, diagnósticos sólidos e um olhar que vá além do imediato. Porque, no fim, obras podem ser refeitas, rios, florestas e comunidades inteiras, não.

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