Dizem que querem pacificar o país com a anistia. A palavra soa bem, não é? Pacificar. Evoca imagens de aperto de mãos, de página virada. Soa a alívio, a um suspiro coletivo depois de uma briga feia. É uma palavra confortável e que se oferece como um remédio para as feridas abertas de uma nação.
Mas é preciso ouvir o que se esconde por trás do tom suave. É preciso observar as mãos que erguem a bandeira branca da pacificação. São as mesmas mãos que, há tão pouco tempo, digitavam furiosamente nas teclas de celulares e computadores, espalhando o veneno que adoecou o país. As mesmas mãos que compartilharam vídeos mentirosos, áudios maliciosos, notícias inventadas com o único propósito de semear o ódio. O ódio ao diferente, ao que pensa diferente, ao que vota diferente.
Esses arautos da pacificação hoje falam em “virar a página” com a solene gravidade de quem propõe um grande acordo nacional. No entanto, a página que querem virar é a mesma que registra seus próprios crimes. Não é perdão o que oferecem, é autoanistia. Não é paz o que propõem, é uma amnésia forçada.
Pacificar, no dicionário deles, significa varrer para baixo do tapete da história a poeira de vidro quebrado dos palácios, o cheiro ódio que impregnou pelos carpetes, a fúria insana que tentou estrangular a democracia em praça pública. Querem que esqueçamos o grito para que possamos acreditar no sussurro da conciliação.
É uma paz curiosa, essa. É a paz que silencia a justiça para calar a culpa. É a paz que pede à vítima que abrace o algoz em nome de um futuro que, para um dos lados, significa impunidade. É a falsa pacificação que sempre beneficiou os poderosos ao longo da nossa história: a que se faz sem verdade, sem reparação, sem justiça.
A verdadeira paz não nasce do esquecimento, mas da memória. Não cresce na impunidade, mas na responsabilidade. Um país não pode ser reconciliado sobre o alicerce podre da injustiça. A cicatriz só sara depois que o ferimento é limpo. Do contrário, ele apodrece por dentro, infecciona e volta a sangrar quando menos se espera, mais feio e mais violento.
O fim desse ciclo terrível da nossa história política não virá de um decreto que apague os crimes. Virá de um processo justo, transparente e rigoroso. Virá do julgamento de cada um que planejou, financiou, executou e incitou a barbárie. Só quando a lei for aplicada com clareza e firmeza, poderemos respirar fundo de verdade.
A paz que vale a pena tem o nome de Justiça. Qualquer outra coisa é apenas o silêncio covarde que precede a próxima agressão.