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A herança invisível da morte: o preço ambiental da última morada

O Dia de Finados costuma nos conduzir ao silêncio, à saudade e à reflexão sobre a efemeridade da vida. Mas há um aspecto pouco lembrado nessa data, um que se esconde sob a terra e que merece atenção: o impacto ambiental dos cemitérios.

Por trás dos muros e das flores, esses espaços de reverência também são sistemas vivos, com dinâmicas químicas, biológicas e físicas que interagem com o meio ambiente. E, quando mal planejados, eles podem transformar o descanso eterno em uma inquietação permanente para o solo e para as águas subterrâneas.

Durante o processo natural de decomposição, o corpo humano libera um líquido orgânico conhecido como necrochorume, uma substância composta por água, sais minerais e matéria orgânica em decomposição. Em solos impermeabilizados de forma inadequada ou com lençóis freáticos rasos, esse líquido pode se infiltrar, contaminando o solo e os aquíferos, e levando à presença de patógenos, metais e compostos tóxicos em águas subterrâneas.

Em muitas cidades brasileiras, especialmente nas de formação antiga, os cemitérios foram implantados em locais que hoje se encontram no perímetro urbano, sem infraestrutura adequada de drenagem ou barreiras sanitárias. Isso cria uma sobreposição perigosa entre áreas de memória e áreas de risco ambiental.

A contaminação de águas subterrâneas não é apenas um problema técnico, é também um reflexo da falta de planejamento urbano integrado. Quando ignoramos o impacto ambiental de espaços como os cemitérios, perpetuamos a mesma lógica que causa enchentes, poluição e degradação em outros setores da cidade.

Mas há caminhos para mudar essa realidade. Projetos de cemitérios ecológicos e sustentáveis vêm sendo implementados no Brasil e no exterior, adotando tecnologias de impermeabilização seletiva, drenagem controlada, manejo de gases e monitoramento hidrogeológico. São soluções que unem respeito à vida, à morte e ao meio ambiente  mostrando que sustentabilidade também é reverência.

O desafio é incluir o tema nos debates públicos e no planejamento ambiental municipal, exigindo estudos técnicos prévios e licenciamento adequado. Cada novo cemitério precisa ser tratado como um empreendimento de impacto, com análise do solo, da topografia, da profundidade do lençol freático e do sistema de drenagem.

Honrar a memória dos que partiram é também garantir que a terra que os acolhe continue viva. Porque o verdadeiro descanso eterno não acontece apenas sob o mármore e o cimento,  acontece quando a natureza também pode repousar em paz.

Neste mês de novembro, em meio às flores e orações, talvez valha lembrar: o cuidado com os mortos começa com o respeito aos vivos e à terra que sustenta ambos.

Mariana

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