A engrenagem do campo e da economia nacional. O Brasil, país de raízes agrárias, tem no agronegócio um dos pilares de sustentação de sua economia e de sua identidade social. Em meio a extensas lavouras, o maquinário agrícola desponta como o coração pulsante da produção — elo entre a força humana e o progresso tecnológico que impulsiona a colheita, a produtividade e, em última análise, a própria segurança alimentar.
Contudo, o maquinário não é apenas instrumento de trabalho. Para o produtor rural, ele representa patrimônio essencial à subsistência, investimento vital para o cumprimento da função social da propriedade e garantia do chamado mínimo existencial produtivo.
No campo jurídico, essa percepção tem repercussões profundas, especialmente nas discussões sobre impenhorabilidade, renegociação de dívidas rurais, alongamento compulsório de crédito e frustração de safra, temas que vêm ganhando relevo nos tribunais brasileiros.
A natureza jurídica da essencialidade se encontra entre o fato econômico e o princípio da dignidade humana e da busca pelo mínimo existencial das famílias do agronegócio.
O maquinário agrícola — tratores, colheitadeiras, pulverizadores, semeadeiras — constitui o meio material que viabiliza o cumprimento da função econômica da terra. Sem ele, a atividade rural moderna torna-se inviável, o que justifica o reconhecimento da sua essencialidade jurídica.
A doutrina moderna, amparada nos princípios constitucionais da função social da propriedade (art. 5º, XXIII) e da dignidade da pessoa humana, sustenta que o produtor rural deve ter assegurados os meios mínimos de produção que lhe permitam continuar gerando renda, emprego e alimentos.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ), em diversas decisões, já reconheceu que o maquinário agrícola, quando indispensável à exploração econômica, não pode ser objeto de penhora, equiparando-se, em certa medida, desde que comprovado a sua essencialidade.
Trata-se de uma aplicação do princípio da preservação da empresa, aqui entendido em sua forma rural, que na prática possui uma empresa com uma série de adversidades, pois trata-se de uma empresa a céu aberto e além disso é necessário garantir que o produtor continue ativo, recebendo proteção que não se resume apenas ao indivíduo, mas também o ciclo econômico local, o abastecimento e o interesse público.
A essencialidade na ótica do crédito rural e da legislação específica
O crédito rural, disciplinado pela Lei 4.829/65 e pelo Decreto-Lei 167/67, é instrumento de política agrícola, voltado à expansão da produção e à modernização tecnológica do campo.
Nesse contexto, o maquinário agrícola é não só bem de uso essencial, mas também objeto de garantias fiduciárias, fato que gera tensão entre a função econômica e a rigidez contratual bancária.
Em casos de adversidades climáticas, como as enchentes no Rio Grande do Sul em 2024 ou períodos de frustração de safra como estamos enfrentando nos últimos 5 anos, torna-se inviável exigir o pagamento pontual das parcelas sem comprometer a continuidade da atividade produtiva.
É justamente por isso que o Manual de Crédito Rural assegura ao produtor rural o direito ao alongamento e à prorrogação das dívidas, inclusive daquelas formalizadas por Cédulas de Crédito Bancário (CCB) destinadas à aquisição de maquinário, conforme reconhecido pela jurisprudência dos tribunais regionais federais e estaduais.
A atividade agrícola é marcada por riscos naturais, econômicos e logísticos. Exigir do produtor rural que liquide integralmente uma operação em cenário de perda de safra é desconsiderar a natureza cíclica da economia rural. Daí porque os tribunais têm interpretado o crédito rural de forma teleológica e protetiva, garantindo que o produtor mantenha os instrumentos indispensáveis ao trabalho — especialmente o maquinário.
A jurisprudência pátria tem evoluído para reconhecer a relevância do maquinário agrícola na continuidade da atividade produtiva.
Os Tribunais, em consonância com o entendimento do STJ, vem proferindo decisões que impedem a constrição de maquinário essencial e asseguram o direito à renegociação em caso de frustração de safra.
O entendimento de que o maquinário agrícola utilizado para o desempenho da atividade produtiva constitui instrumento de trabalho essencial, de modo que sua penhora afronta o princípio da dignidade da pessoa humana e o direito de continuidade da atividade rural, deve ser cada vez mais levado em conta na tomada de decisões, tanto pelos juízes de primeiro grau quanto pelos tribunais.
A legislação agrícola dispõe que é cabível o alongamento de dívidas rurais, inclusive em operações materializadas em Cédula de Crédito Bancário, quando demonstrada a destinação à aquisição de maquinário agrícola indispensável à produção, sob pena de inviabilizar o exercício da atividade rural.
Nesse sentido, vem crescendo o entendimento jurisprudencial de que a essencialidade supera a formalidade contratual, aplicando-se o Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil de forma subsidiária para coibir práticas abusivas e garantir equilíbrio entre o sistema financeiro e o setor produtivo.
Entre o trator e o tribunal: a dimensão social da essencialidade
A discussão sobre a essencialidade do maquinário agrícola ultrapassa a esfera econômica e adentra o campo da justiça social.
O produtor rural é, muitas vezes, o elo mais vulnerável da cadeia produtiva: assume riscos climáticos, de mercado e de crédito, sem a mesma capacidade de proteção que as instituições financeiras possuem.
Garantir-lhe os meios de produção é, portanto, garantir-lhe dignidade, preservar empregos e sustentar o abastecimento alimentar do país. O confisco ou a penhora de um trator, para produtor rural , significa muito mais que a perda de um bem é o colapso de uma estrutura de vida.
O Direito Agrário moderno, aliado ao Direito Constitucional e ao Direito do Consumidor, tem o papel de equilibrar essa balança, reconhecendo que a propriedade rural produtiva é um bem social e que o maquinário que a sustenta deve gozar de proteção jurídica ampliada.
O aço que alimenta a nação
Em um país onde o agronegócio tem enorme representatividade no PIB e responde pela maior parte das exportações, reconhecer a essencialidade do maquinário agrícola não é um gesto de benevolência é uma exigência de coerência jurídica e econômica.
Trator, colheitadeira ou semeadora são mais do que peças de ferro: são símbolos da autonomia produtiva do campo, instrumentos que conectam o produtor à sociedade, o alimento ao prato, e o trabalho à dignidade.
Assim, ao proteger o maquinário agrícola, o Direito protege a própria continuidade da vida no campo, reafirmando seu compromisso com a função social da propriedade, o mínimo existencial produtivo e a dignidade do homem do campo, que, dia após dia, transforma solo em sustento e esperança em colheita.
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