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A magia de acreditar e persistir

Esta é a primeira página de uma nova história, ou melhor dizendo, de muitas histórias. Com esta matéria, iniciamos uma série dedicada a valorizar os escritores que fazem da literatura um abrigo e um grito vindo do coração do Rio Grande do Sul. Santa Maria, cidade universitária, também é território fértil para a imaginação, a poesia e o sonho. Nesta série, vamos encontrar autores que escrevem com o cheiro do mate, o peso do concreto e o calor da criação. A estreia não poderia ser com outro nome: Armando Ribas, o criador do universo fantástico de Marvin Grinn.

O som da chuva fina que costuma cair sobre Santa Maria poderia ser trilha sonora para a história de Armando Ribas. Uma trajetória que, embora silenciosa aos olhos desatentos, pulsa com a força de quem escreveu com o coração, persistiu por quase uma década e hoje vê seu universo literário ganhar vida em livros, palcos, eventos  e nos olhos de quem lê.

É noite em alguma parte do mundo. Um garoto caminha em silêncio por uma floresta que não existe no nosso mapa, sentindo o peso de carregar  uma energia ancestral que ameaça desaparecer da realidade. A missão dele é maior do que parece. E enquanto ele se esconde entre sombras e relâmpagos, seu criador prepara os próximos passos dessa jornada.

Armando Ribas não apenas escreve fantasia, ele cria realidades onde o  impossível ganha lógica própria. Santa-mariense, ele iniciou a série Marvin Grinn em 2014, e em 2019 publicou o primeiro livro de forma independente. Desde então, foram três volumes lançados, um quarto a caminho, eventos literários, audiolivros, edições em braille e, agora, um projeto audacioso que quer colocar o garoto Marvin nas telas do cinema.

Armando Ribas, autor da saga e publicitário. Foto: Divulgação

Do papel à tela: o universo Marvin Grinn ganha novas formas

Armando Ribas e sua equipe deram início a um projeto social ambicioso, com aprovação na Lei Rouanet. O objetivo era claro: democratizar o acesso à literatura fantástica, garantindo que mais pessoas pudessem atravessar os portais de Marvin.

“Então, com apoio de um parceiro em Brasília e Goiânia, desenvolvemos um projeto social aprovado pela Lei Rouanet, ainda em 2022. Foi um processo longo e desafiador, principalmente na captação de recursos”, explica o autor.

O projeto contempla a produção de audiolivros e a impressão do primeiro livro da série em braille, duas frentes que exigem tempo, estrutura técnica e investimento elevado. O volume 1, por exemplo, ganhou uma versão em áudio com 11 horas e 40 minutos de narração, disponível gratuitamente no site oficial da série, junto ao segundo livro, também já adaptado.

A edição em braille está em fase de produção, sendo impressa por uma gráfica especializada do Paraná. Segundo Armando, o custo de cada exemplar é alto, mas necessário.

“A gente acredita que o acesso à literatura não pode ser um privilégio”, reforça.

A distribuição será dividida em duas frentes: uma tiragem gratuita voltada a bibliotecas públicas e escolas, com prioridade para Santa Maria, São Paulo e Rio de Janeiro; e outra tiragem com preço acessível, pensada para atender leitores com menor poder aquisitivo.

Atualmente, o projeto já está 50% implementado e marca um passo essencial na inclusão literária dentro do gênero da fantasia brasileira.

Uma fantasia com raízes reais

Apesar do cenário fantástico, Marvin Grinn é um menino possível. Ele não é o “escolhido” no sentido tradicional: é vulnerável, inseguro, e carrega traumas. Vive a dor de se sentir diferente, a culpa por não entender o que sente, e o peso de ser alguém que precisa salvar o mundo — mesmo quando está tentando apenas sobreviver à adolescência.

A série apresenta um mundo dividido entre realidades paralelas, seres com habilidades especiais, e organizações secretas que manipulam o tempo e o espaço. Mas tudo isso é pano de fundo para temas que tocam de perto: a busca por pertencimento, o medo de decepcionar, a escolha entre o bem e o mal.

E mesmo com tantos elementos do fantástico, os pés de Marvin, e de seu criador, tocam o chão do Rio Grande do Sul.

“Minhas histórias se passam em Porto Alegre, nos trilhos do trem, em túneis misteriosos inspirados em lugares reais, como um túnel abandonado em Boca do Monte. Fui atrás de conhecer até os túneis subterrâneos que dizem existir embaixo do Palácio Piratini, em Porto Alegre. Consegui autorização para visitar e explorar. E pensei: ‘Se temos isso, por que não valorizamos? Por que só é legal quando se passa na Europa?’”

O autor vê na geografia gaúcha — repleta de becos esquecidos e estruturas centenárias — o cenário ideal para narrativas de mistério e magia. E não esconde a frustração com o hábito de enaltecer o que vem de fora, quando há tanto terreno fértil por aqui.

“Escrevi a história que eu gostaria de ler na adolescência. Queria um personagem que sentisse muito e não soubesse direito o que fazer com isso”, completa.

Portais abertos para o futuro

O quarto livro da saga está em fase de finalização e será apresentado no Rio2C, maior evento de criatividade da América Latina, com foco em possíveis adaptações para o audiovisual. Armando lançará uma edição de colecionador com os três primeiros livros em capa dura, ilustrada por Art Apolas, artista tailandês que também assinou as capas comemorativas de Harry Potter.

“A gente quer oferecer o melhor pro leitor, inclusive nas versões gratuitas. Literatura de qualidade deve ser para todos”, diz o autor.

Além disso, a série estará presente na Feira do Livro de Santa Maria, na de Bagé e em ações em parceria com a Livraria da Travessa. Cada evento é uma chance de abrir mais um portal, não para outra dimensão, mas para o encontro entre histórias e leitores.

A literatura como resistência e reinvenção

Marvin Grinn é um livro, mas também é um gesto. Uma resposta à lógica de mercado que nem sempre valoriza a arte pela arte, ou o autor que escreve longe dos grandes centros. “Muitos comparam meu livro ao Harry Potter, mas escrevi porque gosto do tema”, afirma Armando.

Seu conselho a novos escritores ecoa como uma prece: escreva com o coração. Sem vaidade, sem expectativa de fama.

“Se vierem, ótimo. Se não vierem, você não se frustra, porque fez algo que amava. E, claro, acredite no seu projeto. Ninguém vai investir ou publicar algo em que nem você acredita.”

A jornada de Armando Ribas é prova viva de que a literatura é mais do que palavra escrita, é ação, é resistência, é convite à imaginação e ao cuidado coletivo.

E é com Marvin Green que abrimos esta série. Porque para falar da literatura contemporânea do Rio Grande do Sul, é preciso começar por quem transforma sonho em livro, e livro em ponte.

Por Anna Clara Tesche e Maria Francisca de Mello  

Ana

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