Em uma medida que promete causar um verdadeiro terremoto no ambiente empresarial brasileiro, a nova redação da Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1), que obriga as empresas a incluir os fatores de riscos psicossociais relacionados ao trabalho no Gerenciamento de Riscos Ocupacionais (GRO), representa um dos maiores desafios já enfrentados, sobretudo pelas micro e pequenas empresas.
Embora o discurso institucional ressalte a importância da saúde mental no ambiente de trabalho — pauta legítima — a forma como essa exigência está sendo imposta revela-se tecnicamente frágil, juridicamente temerária e economicamente insustentável para a esmagadora maioria dos empregadores brasileiros.
A subjetividade dos fatores psicossociais
A principal falha da norma está em sua essência subjetiva. Os chamados “fatores psicossociais” são amplamente interpretativos. Termos como “baixa autonomia”, “falta de reconhecimento”, “ambiente hostil”, “pressão excessiva” ou até mesmo “monotonia” passam a ser tratados como riscos ocupacionais passíveis de responsabilização trabalhista e previdenciária.
Na prática, isso significa abrir margem para que qualquer desconforto emocional relatado pelo trabalhador — ainda que sem evidência objetiva — possa ser classificado como doença relacionada ao trabalho, permitindo licenças médicas, afastamentos prolongados e, principalmente, ações judiciais. A linha entre um risco real e um incômodo subjetivo torna-se tênue e perigosa.
O trabalhador como parte interessada
O campo jurídico já sinaliza a ampliação de demandas baseadas em sofrimento psíquico alegado. Com a nova NR-1, abre-se espaço para que situações fabricadas ou exageradas sejam justificadas por laudos psiquiátricos sem critérios técnicos precisos, o que pode resultar em atestados médicos de afastamento — inclusive por meses — com base em percepções subjetivas, como “estresse ocupacional” ou “síndrome de burnout”.
Imagine o seguinte cenário: um colaborador insatisfeito com a gestão solicita mudança de função. Ao ter seu pedido negado, alega “pressão psicológica”. Sem parâmetros objetivos definidos pela NR-1, ele poderá buscar respaldo em um laudo médico, obter afastamento pelo INSS e, posteriormente, mover ação judicial pleiteando indenização por dano moral ou reconhecimento de doença ocupacional. Tudo amparado por uma norma que não define limites concretos.
Contrassensos incompatíveis com a realidade empresarial
A própria definição de risco psicossocial carrega contradições gritantes. A NR-1 reconhece como fator de risco tanto a baixa demanda de trabalho (subcarga) quanto o excesso de demandas (sobrecarga). Qual o ponto de equilíbrio, então? Como uma empresa pode estruturar sua operação se não há um critério técnico universal para definir o que é “pouco” ou “muito” trabalho?
Um colaborador pode alegar estar desmotivado por executar tarefas repetitivas (subcarga) enquanto outro, na mesma função, afirma sofrer pressão excessiva por acúmulo de tarefas (sobrecarga). Ambas as situações, sob a nova regra, configuram risco psicossocial. O que antes era uma questão de gestão e produtividade agora se transforma em ameaça jurídica.
Impactos econômicos e insegurança jurídica
A exigência de avaliação psicossocial, além de demandar especialistas caros e ferramentas subjetivas como entrevistas, questionários e análises comportamentais, exigirá que empresas atualizem continuamente seus programas de prevenção — um custo operacional altíssimo, especialmente para os pequenos negócios.
Associado a isso está o risco da insegurança jurídica: empresas poderão ser penalizadas por não “preverem” riscos subjetivos relatados posteriormente por empregados. Na prática, é como se fosse exigido do empregador que “adivinhe” o estado emocional de cada funcionário, todos os dias, sob pena de processos judiciais.
A extinção da inclusão dos fatores psicossociais no GRO é a única saída
O adiamento da entrada em vigor da nova NR-1, previsto para 2025, é uma medida paliativa. Não resolve o cerne do problema. O que está em jogo não é apenas o preparo técnico das empresas, mas sim a impossibilidade estrutural de cumprimento da norma sem que isso represente o colapso financeiro de milhares de pequenos negócios.
A extinção da obrigatoriedade dos fatores psicossociais no GRO é uma necessidade urgente. A norma, como está formulada, inviabiliza a gestão de pessoas ao transformar o empregador em um terapeuta e o ambiente de trabalho em uma extensão do consultório psicológico.
É necessário, sim, debater saúde mental no ambiente de trabalho, mas é irresponsável transferir integralmente essa responsabilidade às empresas sem critérios objetivos, ferramentas confiáveis e salvaguardas jurídicas. Do contrário, estaremos pavimentando o caminho para a falência de milhões de negócios, especialmente os pequenos e médios, que sustentam boa parte da economia nacional.
Mais do que um retrocesso, a NR-1, em sua versão atual, representa uma ameaça existencial às empresas. E não se trata de resistência à mudança, mas da luta pela sobrevivência do setor produtivo frente a uma norma impraticável e perigosa.
Por: Márcio Rabelo








