Categories: Colunas

A Responsabilidade das Instituições Financeiras nos Golpes e Fraudes

Limites e Deveres do Sistema Bancário à Luz da Jurisprudência e da Legislação Brasileira

O crescente desenvolvimento de sistemas eletrônicos e a ampla digitalização dos serviços bancários trouxe inúmeros benefícios aos consumidores, mas também abriu novas portas para a ação de criminosos, que se valem de artifícios sofisticados para praticar fraudes. O chamado “golpe da falsa central”, os ataques por engenharia social, a manipulação de limites via aplicativo, e a indução à transferência via Pix são exemplos cada vez mais comuns.

Diante disso, surge uma pergunta que tem pautado decisões judiciais em todo o Brasil: qual é a extensão da responsabilidade das instituições financeiras frente aos golpes sofridos pelos seus próprios clientes?

Neste artigo, com base na legislação vigente, nos normativos do Banco Central e na jurisprudência dominante, analisamos os limites da responsabilidade objetiva dos bancos uma vez que o mínimo a se esperar é, que as instituições financeiras garantam a segurança de tais transações.

O Dever de Segurança como Dever Anexo ao Contrato Bancário

O Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 14, é claro ao estabelecer a responsabilidade objetiva do fornecedor de serviços por danos causados ao consumidor, independentemente de culpa, desde que comprovada a falha na prestação do serviço.

“O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.”

A relação contratual firmada entre a instituição financeira e o titular da conta bancária é de natureza consumerista, nesse sentido atrai além do  Código de Defesa do Consumidor (CDC) — Lei nº 8.078/90, também a  Súmula do 297 do STJ que estabelece: “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”.

No caso dos bancos, além do vínculo contratual, impõe-se o dever de segurança, derivado da própria natureza da relação bancária. Essa obrigação é reforçada pela Resolução CMN nº 4.893/2021, que trata da política de segurança cibernética, exigindo das instituições medidas técnicas e operacionais robustas para prevenir acessos não autorizados e transações fraudulentas.

 Golpes Bancários e a “Falsa Central”: A Ilusão de Proteção

Casos emblemáticos de fraude, como o golpe da “falsa central de atendimento”, são praticados por criminosos que se passam por atendentes dos próprios bancos, orientando o cliente a realizar alterações no app, como aumento de limite e movimentações via TED ou Pix.

Embora o argumento bancário costume girar em torno da “autorização do cliente”, o que se vê é uma clara falha na autenticação segura e na proteção contra engenharia social — falha esta que, nos termos da jurisprudência, configura fato do serviço.

Em decisões recorrentes e recentes a jurisprudência tem entendido da seguinte forma:

“A inexistência de comprovação de que o cliente autorizou conscientemente a transação caracteriza falha na prestação do serviço bancário, impondo-se o dever de ressarcimento integral ao consumidor.”

 A Responsabilidade do Banco Central e os Deveres das Instituições

O ecossistema financeiro atualmente, cada vez mais digital, sabe que o PIX e o Open Finance estão cada vez mais presentes nas fraudes relatadas, esse ecossistema é  regido pela Instrução Normativa BCB nº 32/2020, que estabelece a obrigatoriedade de envio de dados detalhados ao Bacen, bem como o dever de armazenamento seguro de todas as transações por um período mínimo de 12 meses.

A própria Resolução BCB nº 1/2020 e a Instrução Normativa BCB nº 200/2021 determinam que os bancos devem apresentar informações completas e rápidas ao cliente vítima de golpe, especialmente sobre a conta recebedora e os dados de autenticação utilizados.

A omissão em cumprir esses requisitos pode configurar violação ao princípio da boa-fé objetiva e à função social do contrato bancário, justificando a responsabilização.

 Jurisprudência: Tendência de Reversão do Ônus da Prova e Dever de Indenizar

As decisões judiciais seguem firme na aplicação da inversão do ônus da prova, prevista no artigo 6º, VIII do CDC.

O STJ, ao julgar o Recurso Especial 1.846.649/MA (tema afetado), firmou que:

“Cabe à instituição financeira, enquanto fato impeditivo ou modificativo do direito do consumidor, o ônus de provar a regularidade da contratação mediante juntada do contrato ou outro documento hábil.”

E, quando não há comprovação da anuência do cliente, nem registro da suposta autorização, a jurisprudência caminha para a condenação com devolução em dobro dos valores e danos morais in re ipsa, conforme art. 42, parágrafo único do CDC.

 Considerações Finais

A responsabilidade das instituições financeiras em casos de golpe e fraude não é apenas uma questão contratual, mas sim uma obrigação legal e ética de assegurar a proteção do consumidor em ambiente digital.

A confiança do público no sistema bancário depende da efetiva proteção contra fraudes, e os bancos, detentores de tecnologia avançada e controle sobre os fluxos financeiros, devem responder objetivamente quando essa proteção falha.

Cabe ao advogado especialista em Direito  Bancário, identificar esses cenários, utilizar a legislação e normativos corretos, e acionar os bancos com base em responsabilidade objetiva, má prestação do serviço, e violação do dever de segurança e informação.

Redação enFoco

Recent Posts

Palmeira das Missões deve retomar transporte coletivo após quase dois meses de paralisação

Moradores de Palmeira das Missões, no norte do Rio Grande do Sul, estão há quase…

16 horas ago

Matemática:  Entre a Urgência e a Oportunidade

As evidências nacionais e internacionais não deixam dúvidas que a disciplina de Matemática é hoje…

16 horas ago

Entre Shakespeare e Schopenhauer: O Brasil e a Conscientização da Dor

Dia 20 de agosto foi o Dia Nacional de Conscientização da Dor. “Sentimos a dor,…

16 horas ago

Além das fachadas: Patrimônio Art Déco no turismo

Santa Maria, no coração do Rio Grande do Sul, abriga algo mais do que a…

16 horas ago

Chuva em Porto Alegre já supera média de todo o mês de agosto

Foto: Reprodução/RBS TV O volume de chuva que atinge Porto Alegre desde a última sexta-feira…

16 horas ago