A venda casada é uma prática comercial vedada expressamente pelo ordenamento jurídico brasileiro, sobretudo no âmbito das relações de consumo. Ainda assim, ela se mantém camuflada em diversos contratos bancários, especialmente nos contratos de crédito ao consumidor. Um dos exemplos mais recorrentes é a contratação compulsória do seguro prestamista, embutido sem consentimento expresso ou verdadeiro conhecimento do consumidor. Na grande maioria os consumidores desconhecem o que é o seguro prestamista, e apenas recebem a informação por parte da instituição financeira que tem que ter. os servidores públicos, aposentados e pensionistas são os mais afetados. Muitas vezes o valor cobrado por esse seguro chega a representar aproximadamente 85% do valor do empréstimo, beirando a uma cobrança muito desproporcional e ilegal.
Este tema propõe uma reflexão, sobre a ilegalidade dessa prática, sob a ótica do Código de Defesa do Consumidor (CDC), da jurisprudência dominante e dos princípios constitucionais que asseguram a liberdade contratual e a proteção contra cláusulas abusivas. Aqui convidamos o leitor a refletir sobre os verdadeiros abusos que ocorrem, e também para que haja a disseminação do conhecimento e o exercício efetivo dos seus direitos.
O seguro prestamista é uma modalidade de seguro de vida que tem por objetivo quitar total ou parcialmente uma dívida contratada em caso de morte, e em alguns casos invalidez ou perda involuntária do emprego do segurado, é importante se atentar pois nem todas as seguradores contempla esses dois últimos pontos, a maioria contempla apenas no caso de morte. Embora, à primeira vista, essa cobertura pareça vantajosa, sua imposição como condição para a concessão de crédito desvirtua sua função e transforma o que poderia ser uma escolha em uma imposição.
Instituições financeiras e financeiras de crédito costumam apresentar o seguro prestamista como obrigatório, embutindo seu valor nas parcelas mensais do empréstimo ou financiamento, sem informar devidamente o consumidor, ou sequer ofertar a possibilidade de recusa ou contratação com seguradora de sua livre escolha, isso encarece demasiadamente a operação, considerando que muitas vezes as instituições financeiras financiam esse valor, e o consumidor acaba pagando jutos sobre o valor do seguro prestamista também, ou seja, paga juros sobre um produto que ele não escolheu, algo que lhe foi imposto.
A Venda Casada está devidamente regrada no Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 39, inciso I, a legislação é clara ao afirmar que “É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: I – condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos.”
A contratação compulsória do seguro prestamista se enquadra nesse dispositivo. Se o consumidor, para acessar o crédito, for coagido a adquirir o seguro, há clara violação do princípio da liberdade contratual e da boa-fé objetiva. A ausência de transparência na contratação e a falta de consentimento informado reforçam o caráter abusivo da conduta.
O artigo 6º do CDC, estabelece os direitos básicos do consumidor, garante a proteção contra práticas e cláusulas abusivas (inciso IV) e o direito à informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços (inciso III).
Os tribunais pátrios, especialmente o Superior Tribunal de Justiça (STJ), têm reiteradamente reconhecido a ilegalidade da venda casada do seguro prestamista. Vejamos: “o consumidor não pode ser compelido a contratar seguro com a instituição financeira ou com seguradora por ela indicada” ( REsp 1.639.320/SP)
“ A denominada venda casada é prática abusiva vedada nas relações de consumo conforme dispõe o inciso I do artigo 39 do CDC. Nos contratos bancários em geral, o consumidor não pode ser compelido a contratar seguro com a instituição financeira ou com seguradora por ela indicada, conforme Recurso Repetitivo REsp. n . 1639320/SP (Tema n. 972-STJ). (TJ-RS – AC: 50037342320228210039 VIAMÃO).
A jurisprudência também tem sido uníssona quanto ao direito do consumidor de restituição em dobro dos valores pagos indevidamente, nos termos do artigo 42, parágrafo único, do CDC, sempre que demonstrada a má-fé da instituição financeira.
É essencial que haja uma análise minuciosa para identificar indícios de venda casada em contratos bancários. A análise dos extratos e dos contratos é crucial para verificar se o seguro foi contratado de forma expressa e consciente, com a devida assinatura em cláusula destacada.
Na hipótese de contratação irregular, é cabível a ação de repetição de indébito com pedido de danos morais, buscando não apenas a devolução dos valores pagos, mas também a reparação pelo abalo à dignidade do consumidor, a expropriação de valores muitas vezes que são únicos para o mínimo existencial do consumidor. A jurisprudência já reconhece que o débito indevido em contratos bancários pode ensejar danos morais, especialmente quando há agravantes como a hipervulnerabilidade do consumidor, como no caso de aposentados, idosos ou pessoas com deficiência.
A venda casada do seguro prestamista segue sendo uma das faces mais sorrateiras da prática bancária abusiva. Embora sua ilegalidade seja evidente à luz do Código de Defesa do Consumidor, ela ainda se perpetua por meio de contratos complexos, linguagem técnica e ausência de informação clara, bem como a negativa abusiva e ilegal da entrega dos documentos ao consumidor por parte das instituições financeiras.
É dever dos operadores do Direito levar as informações corretas aos consumidores, munindo-os de conhecimento técnico a respeito do tema, bem como denunciar e combater tais práticas, garantindo o efetivo respeito aos direitos do consumidor e a proteção ao mínimo existencial. A justiça só se torna plena quando o contrato é resultado da livre manifestação de vontade — e não da imposição disfarçada de “oferta”, da manutenção do enriquecimento ilícito das instituições financeiras em detrimento da subsistência do consumidor .
Elizandra Girardon
Advogada especialista em Direito Bancário e Defesa do Executado
OAB/RS 100.183
Instagram: @adv.elizandragirardon
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