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Alongamento de Dívida Rural: Direito do Produtor Rural e o Prazo para Notificação ao Credor

Por Elizandra Girardon, Advogada especialista em Alongamento de Dívidas

1. O contexto do endividamento rural

O endividamento no setor agropecuário brasileiro é uma realidade constante, que decorre não apenas da má gestão financeira, mas principalmente de fatores imprevisíveis como mudanças climáticas, pragas e flutuações de mercado, além das diversas abusividades praticadas pelos bancos.

No cenário, de intempéries climáticas, dificuldades na comercialiação dentre outras situações, o instrumento jurídico conhecido como alongamento de dívida rural tem se mostrado fundamental para garantir a continuidade da atividade produtiva.

O Manual de Crédito Rural (MCR), especialmente o item 2.6.4, reconhece expressamente o direito do mutuário rural à prorrogação da dívida quando houver dificuldade de adimplemento. Trata-se de uma previsão normativa que busca preservar a função social da propriedade rural e a estabilidade econômica do setor.

2. O pedido de alongamento: forma e formalidades

Para exercer esse direito, o produtor precisa notificar o banco sobre seu interesse em alongar a dívida. A notificação pode ser feita de maneira simples, por qualquer meio idôneo (e-mail, carta, petição), desde que haja registro formal da intenção. Contudo, recomenda-se que este documento seja elaborado por um advogado especialista na área, visto que seu conteúdo pode gerar implicações jurídicas relevantes.

Importante destacar que não há exigência legal de que a notificação ocorra antes do vencimento da dívida. Isso porque o próprio MCR  admite o alongamento de operações em “curso irregular”, ou seja, mesmo vencidas, salvo nos casos de desvio de finalidade.

3. Divergência jurisprudencial e a posição correta

Apesar da clareza normativa, existe divergência nos tribunais quanto ao momento adequado da notificação. Uma corrente exige que o pedido ocorra antes do vencimento da dívida, estabelecendo prazos arbitrários (como 15 dias). Já outra corrente, mais alinhada à legislação vigente, entende que o pedido pode ser feito mesmo após o vencimento do título, desde que observados os demais requisitos legais.

Esta última posição é a que encontra respaldo no texto do MCR, o qual autoriza expressamente a renegociação de operações vencidas, desde que não tenham sido desviadas de sua finalidade original.

Ao negar o pedido de alongamento com base exclusivamente no momento da notificação, bancos e tribunais estão contrariando a função social do crédito rural e restringindo indevidamente um direito legalmente assegurado.

4. Relevância prática e recomendações ao produtor

Produtores rurais que tiveram seus pedidos negados por conta da suposta “intempestividade” da notificação devem analisar criteriosamente a decisão, pois há possibilidade concreta de reversão judicial com base no entendimento normativo do MCR.

A orientação é que, ao prever dificuldade financeira, o produtor formalize o quanto antes seu pedido de alongamento, mas, caso já tenha ocorrido o vencimento, ainda assim não hesite em realizar a notificação, sempre com suporte técnico-jurídico qualificado.


5. Considerações finais

O alongamento da dívida rural não é um favor ou uma liberalidade da instituição financeira. É um direito assegurado pela regulamentação específica do crédito rural, e sua efetividade não pode ser limitada por entendimentos que extrapolem a letra da norma.

Cabe ao operador do Direito conhecer profundamente o MCR e suas atualizações, para garantir que o produtor rural, elo vital da economia brasileira, tenha seus direitos respeitados e possa continuar produzindo com segurança jurídica.

Reinaldo Guidolin

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