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Cerâmica: arte, afeto e sustentabilidade em cada peça

Modelar o barro, esperar secar, colocar no forno e torcer para que tudo saia como o planejado. Fazer cerâmica é, acima de tudo, lidar com o tempo, e com o imprevisto. Essa arte milenar, que nasceu nas primeiras civilizações para guardar alimentos e contar histórias, hoje conquista espaços nos ateliês, nas salas de aula, nas prateleiras de lojas de design e na vida de quem busca equilíbrio, expressão e propósito.

O retorno ao fazer manual

Em um mundo cada vez mais automatizado, o trabalho com as mãos voltou a ser valorizado. Entre computadores e redes sociais, há quem encontre no barro e na argila, uma forma de reconexão. Moldar uma peça de cerâmica exige atenção, paciência e escuta. Não há como apressar o processo. Cada etapa, da modelagem à secagem, da queima ao acabamento, ensina a respeitar o ritmo das coisas.

Lisiane Bitsch, ceramista e fundadora do ateliê Lith Cerâmica, destaca a importância da busca por equilíbrio por meio do trabalho com o barro:

Vejo a cerâmica como uma forma de desacelerar. As pessoas estão exaustas, conscientes do cansaço, e procuram diferentes atividades para reencontrar o equilíbrio. Quando se conectam com a cerâmica, percebem que o que realmente precisam é se permitir fazer algo apenas pelo prazer de fazer“, afirma a empreendedora.

Nas oficinas de cerâmica, que se espalham por centros culturais e bairros residenciais, adultos de diferentes idades sentam ao redor da argila para experimentar o que chamam de “uma pausa criativa”. Há quem procure o barro como hobby, terapia, exercício de concentração ou simplesmente por curiosidade. Outros acabam transformando a prática em profissão.

Na Lith Cerâmica, por exemplo, são oferecidas oficinas para públicos diversos – de crianças a mulheres adultas – em encontros que valorizam não apenas a técnica, mas também o acolhimento, a escuta e a criação subjetiva.

Rafael Kszyszerak, professor de cerâmica no ateliê Lith, e recém formado em artes visuais, explica o trabalho realizado por eles: 

Nós realizamos oficinas como a Moldando Histórias, voltada para crianças de 7 a 9 anos e também para aquelas com mais de 10; ações desenvolvidas dentro do projeto Ciência, Arte e Cultura; além de uma oficina especial com o grupo de escoteiros. Cada uma dessas experiências revela a força da cerâmica como uma prática educativa acessível, sensível e profundamente transformadora”, comenta.

Mais do que o resultado final, o foco das oficinas está na experiência, no contato com a matéria, no tempo de espera, e no encontro com o outro. Algumas das ações são realizadas em parceria com instituições culturais e comunitárias, reforçando o caráter coletivo e transformador da cerâmica como prática educativa e afetiva.

Do hobby ao trabalho

Muitos ceramistas começam por acaso, e com o tempo, o que era passatempo vira negócio. As peças, sempre únicas, são vendidas em feiras, sites ou redes sociais. Tigelas, pratos, canecas e vasos feitos à mão têm cada vez mais espaço nas casas e no mercado, valorizados não apenas pela estética, mas pela história que carregam.

Para Lisiane, a cerâmica começou como uma fonte de renda essencial: “A Lith Cerâmica nasceu com a proposta de ser meu ganha-pão. No início, era isso, trabalhar com o que eu amo e ser remunerada para isso. Mas, com o tempo e com o interesse crescente das pessoas em vivenciar a cerâmica, fui percebendo outras formas de me relacionar com essa arte. Três irmãs me procuraram para dar aulas, aceitei o desafio, e ali, descobri o dom de ensinar, de trocar experiências”, conta.

A produção artesanal tem um valor simbólico que contrasta com a lógica industrial: cada peça carrega o tempo de quem a fez, as marcas dos dedos, os pequenos “erros” que se tornam charme.

Cerâmica como educação e expressão

A cerâmica também ganha força como ferramenta pedagógica. Em escolas, oficinas comunitárias e projetos culturais, trabalhar com argila se tornou um recurso para desenvolver criatividade, coordenação motora, concentração e autonomia. Crianças e jovens aprendem não só a criar objetos, mas a cuidar deles, esperando a secagem, respeitando o tempo do outro, e compartilhando saberes.

Mas o ensino da cerâmica não é restrito à infância. Há aulas voltadas para adultos e idosos que buscam novas formas de expressão. A argila, afinal, não exige experiência anterior, só disposição para aprender e se sujar um pouco.

Rafael, ainda reafirma a importância desse contato: “No contexto educacional, o barro atua como um potente disparador de processos subjetivos e formativos. Ele ensina que aprender não é apenas absorver técnicas, mas também estar disponível para ser afetado, para criar a partir do sensível”, explica.

Sustentabilidade e consciência

Além de encantadora, a cerâmica é uma alternativa sustentável. Produzida com recursos naturais como argila, água e minerais, pode substituir com elegância e durabilidade o plástico em utensílios domésticos. Seu ciclo de vida é longo e, quando bem cuidada, uma peça pode atravessar gerações.

Muitos ateliês, inclusive, trabalham com reaproveitamento de materiais e produção em pequena escala, com baixo impacto ambiental. Há também quem utilize fornos a gás ou elétricos com controle de consumo e esmaltagem menos agressiva ao meio ambiente.

Para Bruna Cassol, engenheira civil e pós-graduada em engenharia florestal, a cerâmica artesanal é mais do que um ofício,  é um gesto de cuidado com o planeta. “A cerâmica é um hobby que ensina sobre reaproveitamento, paciência e presença. E pode, sim, ser uma pequena forma de contribuir com a sustentabilidade no nosso dia a dia”, afirma. Ela também destaca a diferença entre o artesanal e o industrial:

Diferente dos materiais industrializados, que muitas vezes envolvem processos poluentes e têm vida útil curta, a cerâmica é feita com as mãos, com tempo e com alma. É durável, não libera substâncias tóxicas, pode ser reaproveitada de diversas maneiras e ainda carrega uma energia acolhedora para os ambientes. Ao escolher peças artesanais e produzidas localmente, fortalecemos economias mais humanas, com menor impacto ambiental e maior valorização do trabalho manual”, completa Bruna.

Mais que objetos: presença e afeto

Fazer cerâmica é uma forma de estar presente. Enquanto as mãos moldam, a mente desacelera. A peça que surge entre os dedos não é apenas um objeto: é um registro de tempo, de esforço, de sensações.

Talvez por isso a cerâmica tenha voltado com tanta força. Não como moda passageira, mas como um convite à permanência, ao toque, à escuta, à terra. E em um tempo marcado pela pressa, criar com calma talvez seja um dos gestos mais revolucionários.

Por: Samara Debiasi
Imagens: Rafael Kszyszerak

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