Por: Camille Moraes
Uma vez por semana, o corredor da unidade de saúde mental do Hospital Universitário de Santa Maria (HUSM) parece diferente. Há uma expectativa no ar. Alguns pacientes arrumam o cabelo, trocam de roupa, esperam na porta. Não é dia de consulta nem de visita dos familiares – é dia de cinoterapia. É dia de receber o carinho dos cães do Corpo de Bombeiros. O projeto, fruto da parceria entre a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e o Corpo de Bombeiros Militar, transforma um espaço de internação – muitas vezes, marcado pelo silêncio e pela ansiedade – em um ambiente de afeto, risos e troca de olhares.
Um sonho que criou raízes
Membro do 4º Batalhão de Bombeiros Militar e condutor de cães, o sargento Alex Sandro Teixeira Brum se emociona ao contar como tudo começou: “Sempre via projetos assim surgirem em São Paulo, no Rio… mas, no interior do Rio Grande do Sul, de dois órgãos públicos, isso era um sonho. A professora Daiana colocou estrutura, tronco e, hoje, essa árvore tem galhos. Todo mundo ganha aqui: paciente, bombeiro, profissional de saúde… até o cachorro”, diz.
A professora Daiana Siqueira, coordenadora do projeto, do Grupo de Pesquisa Cuidado em Saúde Mental e Formação em Saúde (GPFORESM) e docente do curso de Enfermagem na UFSM, reforça que a cinoterapia vai além de uma simples visita com animais: “Não é só levar o cão para fazer carinho. Há envolvimento dos profissionais de saúde, um olhar terapêutico. A equipe indica quais pacientes precisam de estímulos específicos: sair do leito, socializar, desenvolver coordenação. Tudo é pensado para que seja, de fato, uma terapia”, explica. Os encontros acontecem uma vez por semana na unidade, que possui cerca de 30 leitos. O projeto também envolve alunos da graduação, mestrandos e doutorandos, unindo ensino, pesquisa e extensão.
Ciência e cuidado de mãos dadas
Pesquisas realizadas pelo grupo coordenado por Daiana já comprovaram benefícios: redução de sintomas de depressão e ansiedade na demência; aumento de neurotransmissores ligados ao bem-estar; diminuição do cortisol, o hormônio do estresse. Os cães – atualmente Sheik, Molly e Max – são preparados com cuidado: banho em pet shop parceiro, acompanhamento do condutor e escolha criteriosa para garantir que estejam confortáveis com a atividade. Para os bombeiros, também há retorno: “A gente atende muitos casos de suicídio e demência nas ruas. Estar aqui dentro, aprender com os profissionais de saúde, nos ajuda a lidar melhor com essas situações depois. O projeto é uma terapia para todos nós”, confessa Brum.
Relatos que tocam o coração
Os depoimentos dos pacientes mostram, em palavras simples, o tamanho desse impacto. Um jovem de 22 anos fala da cadela Kira como se fosse uma amiga: “A Kira é melhor que gente. Ela me deixa calmo, me faz sorrir de novo.” Já uma paciente de 67 anos descreve com ternura: “Eles dão carinho, dão amor, dão respeito. Quando chego perto deles, beijo, beijo, beijo. Eles merecem o nosso amor. É bom respirar perto deles.”
Outra mulher, de 28 anos, se emociona ao falar sobre o último encontro com os cães: “Eles me entendem melhor que os seres humanos. A Kira é uma pessoa especial. Me sinto leve quando estou com ela.” Histórias como essas ajudam a quebrar o estigma sobre saúde mental e mostram que é possível humanizar o cuidado com práticas inovadoras.
Mais que terapia, um ato de humanidade
Para a professora Daiane, a cinoterapia representa um novo capítulo no cuidado psiquiátrico brasileiro: “Muitas dessas pessoas seriam marginalizadas. Aqui, elas são olhadas, tocadas, ouvidas. A terapia com cães é uma ferramenta de vínculo e esperança.” O sargento Brum completa: “Quando começamos, disseram que esse projeto não duraria dois meses. Hoje, ele é quase uma criança adulta. É resultado da união de instituições diferentes e do trabalho de gente que acredita que vale a pena.”
Na unidade Paulo Guedes do HUSM, as terças-feiras já estão marcadas no quadro de atividades: “Cinoterapia”. Um lembrete de que, no encontro entre humanos e cães, não é só a ansiedade que se acalma. É a dignidade que se restaura.
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