A primeira vez que li A Hora da Estrela, eu tinha 15 anos, quando cheguei no final dele, confesso que odiei. Senti raiva do final, da morte, da forma como tudo acaba. Mas mesmo irritada, eu sabia que aquele livro tinha deixado algo em mim, alguma coisa que eu ainda não sabia explicar.
Reler A Hora da Estrela mais velha, já na casa dos 20, foi como encontrar uma velha conhecida (que me deu o maior soco no estômago), percebi que a história não tinha mudado, e sim que eu mudei. Percebi que Clarice não escrevia só sobre Macabéa, escrevia sobre todas as mulheres invisibilizadas, sobre todas que sonham quieto, que não sabem direito o que querem ser, mas que querem ser.
Me lembro de uma aula de literatura, no ensino médio, quando um colega começou a debochar da Macabéa, como o livro não descreve muito sua aparência, ele disse que devia ser gorda, ou sem cintura, sem graça, algo desse gênero, e eu que nunca engoli esse tipo de comentário, rebati questionando por que feiura era sempre associada a isso. A discussão virou debate, e ele saiu da sala e chorou no intervalo. Mas aquilo ficou em mim, como ainda é difícil sair do padrão, e como isso apaga mulheres o tempo todo.
Clarice me escreveu antes de eu nascer. Porque eu cresci com medo de não caber. Medo de ser sozinha. De me ver demais. Mas Macabéa, mesmo em sua ingenuidade, me ensinou sobre coragem. Sobre seguir mesmo sem ter certeza.
Tem um trecho do livro que me marcou profundamente:
“Já que sou, o jeito é ser..”
Macabéa desejava. Desejava amor, desejava ser vista, desejava viver. E talvez, só por isso, já fosse grandiosa.
Quando penso nela, penso também em mim, e em tantas meninas que, como eu, nunca foram boas em física, química ou matemática, mas sempre foram boas em sentir. Em escrever, em imaginar. Sempre fui das artes, das palavras, da poesia. E sempre ouvi que isso não era o suficiente. Mas hoje, entendo que sentir também é inteligência. E que escrever sobre o mundo é, talvez, uma das formas mais bonitas de existir nele.
O livro da Clarice me pega também por esse ponto: Macabéa é uma personagem que vive à margem, e ainda assim carrega uma humanidade tão profunda que é impossível sair ilesa da leitura. A dor dela é quase metafísica, uma dor de alma, uma dor de ser. E quem nunca sentiu isso?
Na primeira leitura, achei que era uma história triste. Na segunda, entendi que era também uma história de resistência, porque seguir sonhando quando o mundo inteiro te diz que não é possível, é resistência. Porque desejar quando nunca te ensinaram a desejar, é quase revolução.
Clarice me escreveu antes de eu nascer. E ainda me escreve, toda vez que releio esse livro (ou outros da Clarice) e me encontro, de novo, com as minhas perguntas mais sinceras: quem sou eu? o que eu quero ser? e será que estou mesmo vivendo, ou só passando os dias? E talvez, a única estrela que a gente precise, é a de se permitir ser, do nosso jeito, no nosso tempo, com todas as nossas dores e possibilidades.