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“Consignado do FGTS”: o canto da sereia que seduz e arrasta o trabalhador para um mar de dívidas

O trabalhador brasileiro, já sufocado pela inflação, baixos salários e instabilidade econômica, encontra no consignado do FGTS uma promessa tentadora: dinheiro rápido, sem burocracia e com parcelas que “cabem no bolso”. À primeira vista, parece uma solução mágica para aliviar a pressão financeira do mês — mas por trás dessa facilidade, esconde-se uma armadilha cuidadosamente desenhada para explorar a emoção de quem já vive no limite. Como o canto hipnotizante das sereias, a proposta seduz com suavidade, mas arrasta para um mar de dívidas difíceis de controlar. Neste artigo, desvendarei como essa modalidade de crédito, vendida como benefício, pode se tornar mais um instrumento de aprisionamento financeiro.

O crédito consignado com garantia do FGTS é uma modalidade que permite ao trabalhador usar até 10% do saldo do Fundo de Garantia, mais a multa rescisória de 40%, como garantia para obter empréstimos com juros mais baixos. Os bancos, por sua vez, veem nessa fórmula uma mina de ouro: crédito com risco quase zero de inadimplência, já que o pagamento está garantido por um dinheiro que deveria servir como proteção ao trabalhador em momentos de vulnerabilidade, como demissão ou aposentadoria.

A lógica é simples: quanto mais fácil parecer pegar o empréstimo, maior a adesão. E é aí que mora o perigo.

O apelo emocional do consignado do FGTS é direto ao coração do problema: a urgência. Ele se apresenta como solução imediata para pagar dívidas, resolver emergências médicas ou simplesmente manter a alimentação da família. Mas essa “ajuda” momentânea tem um custo que muitas vezes passa despercebido.

Com parcelas que são descontadas diretamente da folha ou do próprio saldo do FGTS, o trabalhador perde o controle do próprio recurso antes mesmo de poder usá-lo. O que era para ser um alívio se transforma em um novo peso — e agora, um peso inevitável.

Pouco se fala sobre o efeito psicológico que esse tipo de dívida causa. O trabalhador embarca acreditando estar dando um passo rumo ao equilíbrio financeiro, mas acaba afundando ainda mais. A frustração toma o lugar da esperança. O dinheiro que ele contava para o futuro, ou para uma situação emergencial real, agora está comprometido com parcelas longas e implacáveis.

Esse ciclo de endividamento atinge também a autoestima e a saúde mental. O sentimento de impotência cresce à medida que o salário não acompanha as despesas e o FGTS, que poderia ser uma boia de salvação, já foi entregue como garantia de mais uma dívida.

Na real, o que deveria ser uma política pública de apoio e proteção virou um produto de mercado — e dos mais lucrativos. A narrativa é vendida com termos suaves: “educação financeira”, “acesso ao crédito”, “melhores condições para o trabalhador”. Mas, na prática, o que temos é uma captura emocional que transforma o desespero em lucro para instituições financeiras.

Enquanto isso, o trabalhador vê seu futuro sendo descontado mês a mês, sem chance real de reversão.

Há alternativas, mas elas exigem um olhar mais humano das políticas públicas e maior acesso à informação. Investir em programas de reestruturação financeira, renegociação justa de dívidas, acesso à educação financeira real e proteção do FGTS como patrimônio do trabalhador são caminhos possíveis e urgentes.

É preciso inverter a lógica: o trabalhador não pode continuar sendo o elo fraco da corrente, facilmente seduzido por soluções rápidas que só aprofundam sua vulnerabilidade, e jamais deve trocar a sua segurança futura por um alívio momentâneo — o consignado do FGTS não é um resgate, é uma âncora disfarçada de salvação.

Redação enFoco

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  • Verdade, este empréstimo, com o dinheiro do próprio trabalhador, a juros exorbitantes, é uma cilada.

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