Por Eizzi Benites Melgarejoo – advogada especialista em direito de família e sucessões
Há vínculos humanos que se formam como carne e unha: juntos, encaixados, quase indissociáveis. A simples ideia de separação provoca calafrios. E, quando a ruptura acontece — seja por desgaste silencioso, por uma batida de porta ou por um acúmulo de silêncios — o que sobra é dor. Não uma dor qualquer, mas aquela que pulsa fundo, que se instala no corpo, que resiste ao tempo e à tentativa de esquecimento. Como uma unha arrancada, o fim de um casamento deixa a carne exposta, sangrando antes de cicatrizar.
Essa metáfora, por mais visceral que soe, traduz com precisão o que milhares de pessoas enfrentam diariamente ao vivenciar o processo de divórcio. Um fenômeno que, embora juridicamente classificado como a dissolução legal do vínculo conjugal, representa emocionalmente um luto real — um luto de alguém que ainda está vivo, mas que, de certa forma, deixou de ocupar o lugar que antes preenchia no cotidiano, nas expectativas, na construção de futuro.
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 226, §6º, consagrou o direito à dissolução do casamento pelo divórcio, sem a necessidade de prévia separação judicial ou prazo mínimo de casamento. Este avanço legislativo consolidou um marco civilizatório: a liberdade de constituir e desfazer uma família conforme a vontade das partes envolvidas.
No plano infraconstitucional, o Código Civil, em seu artigo 1.571, inciso IV, reafirma que o casamento se dissolve pelo divórcio. Complementarmente, a Lei nº 11.441/2007 e o novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015) trouxeram mecanismos procedimentais para facilitar o acesso ao divórcio extrajudicial, desde que preenchidos os requisitos legais.
Esses instrumentos normativos, porém, ainda que indispensáveis, não dão conta da dimensão humana dessa ruptura.
A doutrina contemporânea, especialmente nas obras de Rolf Madaleno, reconhece o divórcio não apenas como uma questão patrimonial ou formal, mas como um evento de profundas repercussões emocionais e sociais. O fim de um casamento envolve perda de identidade, redefinição de papéis e uma reelaboração afetiva que muitas vezes se prolonga por anos.
Psicologicamente, o divórcio é equiparável a outras formas de luto, com fases bem conhecidas: negação, raiva, negociação, depressão e aceitação. Esse entendimento, já consolidado nas ciências humanas, ainda carece de maior reconhecimento no meio jurídico, que por vezes trata o divórcio como mero encerramento de contrato, desconsiderando a dor invisível que acompanha as partes.
Diante desse cenário, o papel do advogado (e da advogada) de família extrapola os limites técnicos da petição e do protocolo judicial. O profissional torna-se, também, um agente de escuta qualificada, de mediação emocional e de construção de soluções que respeitem o tempo e o sofrimento do cliente.
O artigo 3º do Código de Processo Civil reforça que o Estado deve promover, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos, estimulando a adoção de métodos autocompositivos como a mediação e a conciliação. A mediação familiar, especialmente, tem se mostrado um caminho eficaz para reduzir danos emocionais e evitar litígios prolongados.
Além disso, o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da Constituição Federal) impõe ao sistema de Justiça e aos seus operadores o dever de tratar as partes com respeito à sua condição emocional e social. O divórcio não é um ato isolado: ele afeta a saúde mental, a estabilidade financeira, o convívio com filhos e o próprio senso de pertencimento social.
O Direito de Família contemporâneo, ao adotar ferramentas como o direito colaborativo e a mediação, abre espaço para uma condução menos adversarial dos processos de divórcio. O artigo 694 e seguintes do CPC preveem expressamente a tentativa de autocomposição nas ações de família, recomendando a busca de soluções pacíficas.
Além disso, o Provimento nº 67/2018 do CNJ, ao regulamentar a mediação e conciliação no âmbito das serventias extrajudiciais, reafirma a tendência institucional de favorecer o diálogo e a autonomia das partes na solução de seus conflitos.
O advogado humanizado, portanto, não é apenas aquele que conhece a lei, mas aquele que sabe aplicá-la de modo ético, sensível e atento ao sofrimento humano. É quem entende que, antes de um processo, há uma pessoa atravessando uma perda — muitas vezes tão dolorosa quanto física.
O Direito, por si só, não tem o poder de evitar o fim de uma relação, mas pode — e deve — atuar para que esse fim não seja mais doloroso do que precisa ser. A advocacia de família precisa assumir, com responsabilidade, o compromisso de transformar o procedimento legal do divórcio em uma travessia mais justa, menos traumática e mais acolhedora.
Porque, como na metáfora da unha arrancada, o que resta é carne viva — mas também a promessa de que, com o tempo, o que hoje sangra, amanhã cicatriza. E, com apoio jurídico adequado, essa cicatriz pode se tornar não um lembrete de dor, mas um símbolo de superação.
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