Por Sérgio Cechin – Especial para a Revista Enfoco
“Não é o que entra pela boca que contamina o homem, mas o que sai da boca, isso sim é o que o contamina.”
— Mateus 15:11
Este ensinamento bíblico é um convite profundo à reflexão. Ele nos recorda que a espiritualidade autêntica nasce das intenções do coração e da palavra que proferimos ao próximo — e não necessariamente das práticas externas, como o alimento ou a bebida. Com base nessa premissa, venho, como cidadão, cristão e homem público, propor um olhar humanizado e respeitoso sobre a recente orientação da Arquidiocese de Santa Maria, liderada pelo arcebispo Dom Leomar Antônio Brustolin, que proibiu a comercialização de bebidas alcoólicas e a realização de bailes em festas religiosas durante o Ano Jubilar de 2025.
A orientação da Arquidiocese
A decisão, firmada em novembro de 2024, foi tomada em comunhão com o Conselho Arquidiocesano de Pastoral e em sintonia com o espírito do Ano Santo proclamado pelo Papa Francisco. Dom Leomar, em declarações públicas, pontuou que a intenção da medida é resgatar o verdadeiro sentido das celebrações religiosas, reforçando que a missão da Igreja é evangelizar e oferecer um espaço de encontro com Deus — e não apenas de entretenimento.
“Está na hora de buscar qualidade do ser católico, não quantidade. As festas estavam se tornando mais populares que pastorais. Precisamos refletir sobre o real motivo pelo qual as pessoas estão vindo à Igreja.”
— Dom Leomar Brustolin, em entrevista à imprensa local
Com humildade, é preciso reconhecer que há méritos na preocupação do arcebispo. Ele nos alerta sobre o risco de que a forma se sobreponha ao conteúdo, e nos convida à sobriedade e ao equilíbrio. Contudo, toda medida de impacto comunitário — sobretudo quando atinge as expressões culturais e os meios de sustento das capelas — precisa ser acompanhada de diálogo, escuta e sensibilidade pastoral.
As festas como expressão de fé, cultura e subsistência
Em muitas comunidades do interior de Santa Maria e região, as festas religiosas são mais que simples eventos sociais. Elas representam:
A união das famílias em torno da fé e da tradição;
A principal fonte de arrecadação para manter capelas, salões, catequeses e obras sociais;
Espaços de convivência intergeracional, sobretudo para os idosos que, muitas vezes, só encontram naquele dia de festa um motivo para vestir-se, reunir-se e reencontrar a esperança.
Em capelas como a de São Sebastião, a frustração foi visível. Segundo lideranças locais, a arrecadação caiu drasticamente, e a tristeza tomou o lugar da celebração.
“Este ano foi de silêncio e vazio. Não tivemos como manter as contas em dia. E muitos idosos se afastaram.”
— Relato de liderança comunitária
A dor não é pela ausência da bebida, mas pela ausência da vida comunitária que as festas promoviam. O sentimento predominante não é revolta, mas uma mágoa serena, de quem gostaria de ter sido ouvido.
Mateus 15:11 como um convite à ponderação
O Evangelho de Mateus nos ensina que a pureza ou a impureza espiritual não está no que comemos ou bebemos, mas no que falamos, sentimos e fazemos. Em outras palavras: uma festa pode sim ser um espaço de alegria sagrada, desde que os corações estejam em comunhão com o bem.
Assim como a Eucaristia — onde o vinho simboliza o sangue de Cristo — carrega profundo valor simbólico e espiritual, outras expressões culturais e sociais também podem coexistir com a fé, sem contradizê-la. É possível encontrar formas equilibradas de celebrar, que preservem o espírito do Ano Jubilar, mas também reconheçam o valor histórico e afetivo dessas festas.
Caminhos possíveis: equilíbrio e escuta
Com profundo respeito à autoridade da Igreja e ao papel do arcebispo, proponho que se abra um espaço de diálogo pastoral com as comunidades, especialmente as mais afetadas. Algumas sugestões que emergem dessa escuta:
Permitir que cada paróquia apresente um plano de festa contextualizado à sua realidade, com limites e orientações claras;
Estabelecer uma comissão pastoral e comunitária para acompanhar e revisar as festas ao longo do Jubileu;
Incluir nas festas atividades que destaquem a espiritualidade, como momentos de oração, bênção das famílias e ações solidárias;
Reconhecer que tradição e fé não se opõem, mas se entrelaçam no cotidiano do povo cristão.
Preservar a fé e fortalecer a comunidade
A Arquidiocese de Santa Maria vive um momento importante de reflexão. O Ano Jubilar é, sim, uma oportunidade de aprofundamento espiritual. Mas que ele também sirva para fortalecer os laços entre a Igreja e suas bases comunitárias. Não há contradição entre fé e festa, entre tradição e sobriedade — desde que haja coração sincero e compromisso com o bem.
Ao citar Mateus 15:11, convido a todos — clero, lideranças, fiéis — a olhar para dentro de si. Que possamos construir, juntos, uma Igreja mais viva, dialogante e acolhedora, onde a Palavra de Deus se manifeste não só nos altares, mas também nos salões, nas cozinhas das festas, nos abraços dos reencontros.
Afinal, onde há amor, respeito e comunhão, ali Deus também habita.
Sérgio Cechin
Vereador em Santa Maria
Ativista comunitário e cristão comprometido com o diálogo entre fé, cultura e justiça social.
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