Os caminhos para a moradia digna em Santa Maria

O déficit habitacional é um dos principais indicadores da precariedade das condições de moradia e reflete diretamente os desafios do acesso à habitação digna. Trata-se de um problema estrutural que continua a ser um dos maiores obstáculos ao desenvolvimento urbano sustentável no Brasil. Segundo a Fundação João Pinheiro, em 2024 o país possuía cerca de 6,2 milhões de famílias em situação de déficit habitacional, número que engloba desde pessoas vivendo em domicílios precários até aquelas que enfrentam coabitação forçada ou pagam aluguel excessivo em relação à renda.

Apesar dos esforços em políticas públicas habitacionais, ao longo do tempo, como os programas BNH (Banco Nacional da Habitação), Cohab, Minha Casa Minha Vida, Casa Verde e Amarela, Habitação Popular e Moradia Digna, nenhuma delas conseguiu resolver esse déficit habitacional. A realidade é que a demanda por moradias segue crescendo em ritmo mais acelerado do que a oferta. Em muitos municípios, a urbanização desordenada gerou núcleos urbanos informais que agora precisam ser reconhecidos e integrados ao tecido urbano legal, tarefa que passa pela regularização fundiária, um dos caminhos mais importantes para garantir o direito à moradia.

Em Santa Maria, o cenário também evidencia a urgência por soluções habitacionais. A política local atua em duas frentes principais: a disponibilização de moradias e a regularização fundiária. “A regularização garante o direito à moradia por meio da titulação da propriedade. Já a entrega de unidades habitacionais ocorre por meio de empreendimentos como conjuntos residenciais”, explica o secretário de Habitação e Regularização Fundiária, Wagner Bitencourt.

Aluguel Social e Compra Assistida: resposta emergencial à crise

Após as enchentes de maio de 2024, o programa Aluguel Social tornou-se uma das principais respostas emergenciais do município. Ele garantiu abrigo temporário a centenas de famílias afetadas pelas fortes chuvas, possibilitando segurança e estabilidade enquanto soluções definitivas eram estruturadas. Atualmente, o programa beneficia cerca de 295 famílias com contratos ativos, de um total de aproximadamente 340 contratos firmados desde o início da iniciativa. Essas famílias passaram por avaliação técnica e social realizada pela Prefeitura, e cerca de 150 mudanças foram executadas com apoio logístico da administração municipal.

Como continuidade dessa política, foi criado o Programa Compra Assistida, que permite que essas famílias deixem os lares temporários e adquiram imóveis próprios com apoio do município. A iniciativa é viabilizada com recursos públicos e envolve parcerias com corretores, imobiliárias, construtoras, doadores e a Caixa Econômica Federal, que atua como mandatária da operação. O programa prevê a compra de imóveis usados, prontos para morar, com valor de até R$ 200 mil, oferecendo uma resposta célere à necessidade habitacional das famílias cadastradas.

Desde junho de 2024, mais de 600 pessoas foram beneficiadas por meio da Compra Assistida, abrangendo mais de 140 famílias. Desse total, 86 imóveis já foram contratualizados — ou seja, as famílias já se mudaram ou estão em processo de mudança. Entre os imóveis adquiridos com recursos próprios da Prefeitura, destacam-se 50 casas, totalizando um investimento de R$ 9,52 milhões. 

Provimento habitacional

Além das respostas emergenciais, o município também avança no provimento habitacional definitivo com o programa Minha Casa Minha Vida, financiado pelo Governo Federal. Atualmente, a Prefeitura de Santa Maria possui cerca de 3 mil cadastros habitacionais ativos, sendo 2.491 referentes a núcleos familiares e 528 de pessoas idosas.

Quando um novo empreendimento é viabilizado, como no caso da construção de novos apartamentos, o processo de seleção ocorre de duas formas: por sorteio público, obrigatório quando há mais interessados do que unidades disponíveis; ou por critérios sociais, nos casos de moradias remanescentes ou devolvidas ao município.

Entre os critérios para priorização, estão: ser mulher chefe de família; ter filhos menores de idade; ter mais de 60 anos (idoso); residir em área de risco; ter alguma deficiência; e estar inscrito no programa Bolsa Família. A família que atender a mais desses critérios terá prioridade no processo de seleção.

Neste ano, o município já está habilitado junto ao Governo Federal para a construção de 340 apartamentos do Minha Casa Minha Vida. As unidades terão aproximadamente 45 metros quadrados e serão destinadas a famílias com renda bruta mensal de até R$ 2.640. O empreendimento será construído na Avenida Osvaldo Cruz, no Bairro Km 3.

Regularização fundiária: segurança jurídica e cidadania

Paralelamente aos programas de construção e aquisição de moradias, a regularização fundiária é uma das políticas mais consolidadas de Santa Maria. Desde 2012, o município já regularizou mais de 12.500 matrículas e quase 12 mil lotes em 101 núcleos urbanos, abrangendo vilas, loteamentos e conjuntos habitacionais. Outros 45 núcleos estão em processo de regularização, com 215 matrículas prontas para entrega nas próximas semanas.

O processo envolve diagnóstico técnico, planejamento urbano e ações sociais e jurídicas que culminam na entrega do título definitivo do imóvel. “Regularizar não é apenas entregar um documento. É transformar a realidade do território. A partir da titulação, o morador passa a ter segurança jurídica para vender, reformar ou utilizar o imóvel como garantia em financiamentos. Isso proporciona um novo nível de dignidade”, afirma Wagner Bitencourt.

A legislação atual, como a Lei nº 13.465/2017, permite que os próprios moradores arquem com os custos da regularização, o que tem incentivado diversas comunidades a se organizarem. A Prefeitura oferece suporte técnico e jurídico e realiza melhorias nas áreas regularizadas, como pavimentação, iluminação e coleta de lixo. “Só podemos atuar legalmente após a regularização. Antes disso, aquele espaço sequer existe formalmente”, destaca o secretário.

O caso do Jockey Club

Um exemplo claro da complexidade da regularização fundiária é a situação do Jockey Club, onde a ocupação recente de áreas públicas expôs a urgência de organização do território. De acordo com o secretário Bitencourt, a Prefeitura não abre mão da área, dessa forma a pasta tem realizado esforços para mapear o grupo de pessoas que ocupou a região.

O processo de desapropriação foi temporariamente suspenso para que o município, em conjunto com a comunidade, realize o levantamento e direcione essas pessoas para os programas. A Prefeitura já possui imagens atualizadas do local, por meio de drones, e vai chamar individualmente cada família para a realização de cadastro. Um estudo técnico foi contratado pelo município para avaliar a viabilidade econômica e o uso da área, prevendo a instalação futura de equipamentos públicos diversos, como de saúde, educação, lazer e outros.

Um dos fatores que dificulta o trabalho técnico é a ausência de cadastro: dos 44 ocupantes notificados, apenas 17 compareceram e realizaram registro no sistema habitacional da Prefeitura. “Isso mostra que parte da população não procurou os canais oficiais. E sem cadastro, fica impossível acessar programas como o Minha Casa Minha Vida ou a própria regularização”, explica Bitencourt.

Apesar das tensões, o secretário enfatiza que o município busca o diálogo constante e evita ações coercitivas. “A nossa postura é resolver de forma pacífica e justa. Há um esforço conjunto para conduzir esse processo com respeito e planejamento”, finaliza.

Ao enfrentar desafios como a ausência de cadastro e a ocupação desordenada, o município reforça a importância do planejamento urbano inclusivo e da escuta ativa da população. Mais do que resolver um impasse pontual, trata-se de consolidar uma política pública capaz de transformar territórios e oferecer segurança, dignidade e pertencimento às famílias que hoje vivem à margem da legalidade.

Por Samara Debiasi e Reinaldo Guidolin

Ana

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