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Holding familiar e testamento digital: caminhos modernos para o planejamento sucessório

Por Eizzi Benites Melgarejo – advogada especialista em família e sucessões – sócia do escritório Urach, Jensen, Abaide, Melgarejo e Brum

Por que deixamos para amanhã decisões que podem evitar conflitos, desgastes e prejuízos familiares irreparáveis? Falar sobre herança ainda causa desconforto, e talvez por isso tantas famílias só pensem na sucessão patrimonial quando já é tarde demais. O que poderia ser uma transição tranquila se transforma, muitas vezes, em um campo de batalha: irmãos que se tornam adversários, bens que se perdem no meio de disputas e um processo de inventário que consome não apenas tempo e dinheiro, mas também laços afetivos. Ainda assim, ignoramos a possibilidade de evitar tudo isso em vida. E ela existe.

O planejamento sucessório é uma ferramenta legal, acessível e extremamente eficaz para quem deseja organizar o futuro da sua família e do seu patrimônio. Entre os instrumentos mais modernos e vantajosos desse planejamento estão a holding familiar e o testamento digital. A holding, em especial, merece destaque por oferecer soluções práticas e seguras, e, ao contrário do que muitos pensam, não é restrita a grandes fortunas ou empresários milionários. Qualquer pessoa que possua imóveis, participações societárias, investimentos ou um patrimônio familiar que deseje preservar pode se beneficiar dela. E mais: deve considerá-la seriamente como uma forma de proteger sua história e evitar que um acúmulo de bens se transforme em motivo de discórdia.

Criar uma holding familiar significa constituir uma empresa com o objetivo de administrar bens da família. Esses bens são transferidos para a pessoa jurídica, e os membros da família tornam-se sócios, com cotas proporcionais e regras claras de gestão e sucessão. Esse modelo permite que o patriarca ou matriarca mantenha o controle do patrimônio em vida, ao mesmo tempo em que antecipa a organização da partilha. A partir dessa estrutura, é possível definir cláusulas de proteção — como inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade — e evitar que bens sejam dilapidados por decisões precipitadas ou por questões externas, como casamentos mal resolvidos ou dívidas dos herdeiros.

Mais do que prevenir conflitos, a holding familiar evita o inventário judicial, reduz custos com impostos e honorários, organiza a sucessão conforme a vontade do titular e oferece uma blindagem patrimonial legítima, amparada pelo Código Civil. Essa é uma alternativa real, legal e estratégica para famílias que desejam evitar o desgaste emocional e financeiro que normalmente acompanha o processo de sucessão tradicional. Quando não há planejamento, aplica-se a sucessão legítima, que, embora funcional, nem sempre corresponde aos desejos do falecido. Pior: exige inventário, tributos como o ITCMD — que pode chegar a 8% em alguns estados —, e, muitas vezes, leva anos para ser concluído.

Em paralelo à holding, o testamento digital surge como uma resposta contemporânea às novas demandas da sociedade. Em um mundo onde os bens digitais crescem exponencialmente — criptomoedas, contas em redes sociais, arquivos em nuvem, obras digitais —, também é necessário prever o destino dessas propriedades intangíveis. Embora o Código Civil ainda não trate expressamente do testamento digital, já existem mecanismos notariais para registrá-lo, inclusive com videoconferência, o que reforça a importância de modernizar não apenas o patrimônio físico, mas também o simbólico.

Planejar a sucessão é um ato de amor, de responsabilidade e de respeito por aqueles que ficarão. É ter a coragem de olhar para o futuro e cuidar para que a dor da perda não se multiplique por causa de brigas, burocracias e injustiças. É garantir que os frutos de uma vida de trabalho não sejam desperdiçados por falta de organização. E, acima de tudo, é escolher deixar a paz — não apenas os bens.

No fim, não se trata apenas de quanto se tem, mas de como se transmite. A holding familiar não é uma solução para ricos, é uma ferramenta para quem valoriza o que construiu e deseja perpetuar esse legado da forma mais segura e harmoniosa possível. E você, já pensou no que acontecerá com seu patrimônio e sua família quando você não estiver mais aqui?

Redação enFoco

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