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Humanização da Saúde em Santa Maria: Um Desafio Coletivo e a Luta dos Pacientes com Fibromialgia

A humanização da saúde é um princípio fundamental que deve orientar todas as ações no cuidado público: tratar cada paciente como pessoa, com escuta, acolhimento, respeito e empatia. Em Santa Maria, no entanto, a realidade da rede pública de saúde ainda distancia-se desse ideal. O cenário vivido diariamente por milhares de cidadãos revela uma sobrecarga estrutural, escassez de profissionais especializados e longas filas para serviços básicos. Nesse contexto, pacientes com doenças crônicas e invisíveis, como a fibromialgia, enfrentam obstáculos ainda mais dolorosos. 

Uma das maiores denúncias da população em geral é a rotina de filas nas madrugadas para conseguir medicamentos na Farmácia Municipal. Pessoas chegam por volta das 4h da manhã, muitas vezes sob frio intenso ou sob dores físicas, para garantir uma senha que lhes permita acessar o tratamento. A espera desgastante — tanto física quanto emocional — não representa apenas uma falha operacional: ela compromete o princípio da dignidade no acesso à saúde. Além disso, a falta de especialidades médicas em muitas Unidades Básicas de Saúde (UBS), como reumatologia, neurologia e fisioterapia, atinge diretamente quem precisa de acompanhamento contínuo. Sem esses profissionais, doenças crônicas como a fibromialgia deixam de receber o cuidado adequado, agravando sintomas e comprometendo a qualidade de vida dos pacientes. 

A fibromialgia, em particular, é um dos casos mais emblemáticos quando se fala em falta de humanização no sistema. Por se tratar de uma condição com sintomas muitas vezes invisíveis — como dor crônica difusa, fadiga constante, distúrbios do sono e dificuldades cognitivas —, muitos pacientes enfrentam descrédito e desconfiança por parte de profissionais de saúde. A ausência de exames laboratoriais que confirmem a doença leva a uma batalha silenciosa pelo reconhecimento do diagnóstico. 

Não é raro que pacientes com fibromialgia, relatam terem sido ignorados, desacreditados ou mesmo rotulados como “ansiosos” ou “psicossomáticos”, antes de receberem um diagnóstico adequado. Esse processo de busca por aceitação, que deveria ser técnico e acolhedor, se torna um caminho desgastante, marcado por sofrimento emocional e abandono institucional. 

Em resposta a essas lacunas, Santa Maria sancionou, em 2023, duas leis importantes: a Lei nº 6.747, que garante atendimento preferencial e vagas de estacionamento para pessoas com fibromialgia, e a Lei nº 6.771, que institui uma política municipal de proteção aos direitos desses pacientes, incluindo a capacitação de profissionais e a criação de centros especializados. Também foi criado o Cartão de Prioridade do Fibromiálgico, para facilitar a identificação e garantir o acesso aos direitos. Contudo, a efetividade dessas leis ainda é limitada. Muitos pacientes relatam que, mesmo portando o cartão, seus direitos são ignorados ou não reconhecidos por servidores despreparados. A implementação prática da política pública esbarra na falta de informação, na ausência de estrutura e, sobretudo, na resistência cultural dentro dos próprios órgãos de saúde. 

Grupos como o Fibromialgia SM, formados por pacientes e apoiadores, têm cumprido um papel vital ao organizar encontros, divulgar informações e pressionar o poder público por mais avanços. Uma das propostas defendidas pelo grupo é a criação de um centro de referência em dor crônica no Hospital Regional de Santa Maria, capaz de atender de forma multidisciplinar e humanizada. 

A humanização da saúde, portanto, não se resume a boas intenções ou à criação de leis: exige mudança de postura institucional, qualificação constante dos profissionais e investimento real na estrutura pública. Santa Maria possui um arcabouço legal promissor, mas precisa garantir que a prática acompanhe a teoria — sob pena de manter seus cidadãos, especialmente os mais vulneráveis, em uma espera dolorosa e desumana. 

Enquanto houver pacientes invisibilizados, filas desumanas na madrugada e diagnósticos negados por falta de escuta, não se pode falar em um sistema verdadeiramente humanizado. A saúde pública precisa mais do que nunca se reconectar com sua essência: cuidar de pessoas.

Redação enFoco

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