Nem sempre o que compromete o meio ambiente aparece diante dos nossos olhos. Os desastres mais visíveis (enchentes, deslizamentos, incêndios florestais) mobilizam manchetes e debates, mas há riscos silenciosos que seguem sendo negligenciados. Entre eles, a contaminação do solo e da água ocupa lugar de destaque. E o problema é tão grave quanto discreto: ele não provoca impacto imediato, mas se infiltra, gota a gota, no nosso futuro.
Basta observar alguns exemplos cotidianos. Cemitérios, por exemplo, são equipamentos urbanos essenciais, mas raramente lembrados como fonte de poluição. O processo natural de decomposição libera necrochorume, um líquido altamente tóxico que contém metais pesados, restos químicos de medicamentos e organismos patogênicos. Quando o cemitério é construído sem planejamento adequado, sem impermeabilização do solo, drenagem ou monitoramento, esse material percola até o lençol freático, contaminando a água subterrânea. É a morte deixando marcas que não respeitam os muros do campo santo.
Outro exemplo está nos postos de combustíveis. Cada tanque enterrado representa um risco potencial: vazamentos de gasolina e diesel podem permanecer invisíveis por anos, até que uma análise mais profunda revele o estrago. O solo contaminado perde sua função ecológica, a água subterrânea é comprometida e a remediação custa caro. Muitas vezes, mais caro do que o próprio terreno onde o posto está instalado. E enquanto a contaminação não é detectada, comunidades inteiras consomem água insalubre, sem imaginar que a fonte da doença está debaixo dos pés.
Mas talvez o mais recorrente e, ao mesmo tempo, o mais invisível, seja o esgoto clandestino. Em áreas urbanas, é comum encontrar redes improvisadas que lançam dejetos diretamente em córregos e rios. Essa descarga silenciosa não aparece em relatórios oficiais, mas está lá, correndo pelas galerias pluviais e misturando-se com a água da chuva. O resultado é conhecido: cursos d’água urbanos transformados em valas de esgoto a céu aberto. E isso impacta a fauna, a flora, o abastecimento humano e, claro, a saúde pública, já que doenças de veiculação hídrica continuam sendo um dos maiores desafios sanitários do Brasil.
O que une esses três exemplos (cemitérios, postos e esgoto) é a invisibilidade. Não há sirenes, não há manchetes diárias, não há imagens chocantes transmitidas pela televisão. O problema se acumula em silêncio, sem chamar a atenção da sociedade. E quando os efeitos vêm à tona, muitas vezes já é tarde demais.
É nesse ponto que entra a importância do licenciamento e do planejamento urbano e ambiental. Obras de engenharia não podem ser vistas apenas pelo que aparece na superfície. O subsolo, esse território oculto onde corre a água que abastece nossas casas e se sustenta a biodiversidade, precisa ser estudado e respeitado. Projetar sem olhar para o que acontece debaixo da terra é assumir um risco que pode comprometer gerações.
Na construção civil, isso significa ampliar a visão de responsabilidade. Não basta erguer edifícios ou pavimentar ruas; é preciso pensar no destino das águas pluviais, na qualidade do solo onde se funda a estrutura, na destinação correta dos resíduos. Do mesmo modo, gestores públicos precisam investir em infraestrutura de saneamento, monitoramento de aquíferos e fiscalização de atividades potencialmente poluidoras.
Mas e nós, como sociedade? Qual é o nosso papel? O primeiro é reconhecer que a poluição invisível existe. Que não basta limpar a rua após a enchente se o esgoto segue correndo para os córregos. Que não adianta plantar árvores na calçada se as águas subterrâneas estão comprometidas. O segundo é cobrar políticas públicas eficazes, exigir transparência nos diagnósticos ambientais e apoiar práticas de engenharia e arquitetura que priorizem a sustentabilidade.
O futuro de Santa Maria, do Rio Grande do Sul e do Brasil depende da nossa capacidade de enxergar além do que os olhos alcançam. A contaminação do solo e da água não aparece nas fotos, mas se traduz em problemas concretos: poços interditados, custos altíssimos de remediação, comunidades adoecidas, perda de biodiversidade. O preço da negligência é alto demais.
O desafio está lançado: transformar o invisível em prioridade. É hora de pensar em cemitérios sustentáveis, postos de combustíveis com monitoramento contínuo, redes de esgoto planejadas e fiscalizadas. É hora de investir em diagnósticos, em ciência, em gestão territorial de longo prazo. Porque se o futuro da água e do solo for sujo, o nosso futuro, inevitavelmente, será incerto.
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