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Meliponicultura cresce no RS unindo ciência, conservação e empreendedorismo

Por Reinaldo Guidolin

As abelhas sem ferrão, conhecidas como meliponíneos, estão conquistando espaço no Rio Grande do Sul e se consolidando como protagonistas em iniciativas que unem preservação ambiental, educação e geração de renda. A meliponicultura, prática de criação dessas espécies nativas, aproxima famílias da natureza, valoriza os polinizadores brasileiros e abre novas possibilidades de negócios sustentáveis.

Ciência e extensão na UFSM

Na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), a professora Fernanda Cristina Breda Mello, do Departamento de Zootecnia, é uma das principais referências no tema. Seu envolvimento começou em 2011, quando recebeu o desafio de reativar o laboratório de apicultura. O contato com a Associação de Apicultores de Santa Maria (Apismar) revelou o grande interesse em espécies nativas sem ferrão, ainda pouco conhecidas. Em 2017, ela criou o projeto “Abelha: muito mais que mel, educação para conservação”, que resultou na instalação de um meliponário didático e abriu espaço para a comunidade aprender sobre o manejo dessas abelhas.

O trabalho se expandiu e, em 2022, resultou na fundação da Associação de Meliponicultores da Região Central Gaúcha (Amel-RCG), com o propósito de fortalecer a atividade. Para Fernanda, a paixão pelas abelhas vai além do mel. “Acredito que o interesse esteja relacionado à beleza e delicadeza delas, à organização do ninho, à possibilidade de produzir mel e própolis em pequenos espaços, aos serviços de polinização e ao aspecto terapêutico que a atividade proporciona”, afirma.

Outro projeto de destaque é o “Meliponicultura: uma forma de valorizar a família do campo da região central do RS e Baixada Maranhense”, coordenado pela professora Mari Silvia Rodrigues de Oliveira, do Departamento de Tecnologia e Ciências dos Alimentos. Criado em 2019 em parceria com o professor Silver Jonas Alves Farfan, do Instituto Federal Sertão Pernambucano, o projeto articula ações no Rio Grande do Sul e no Maranhão.

No RS, estão registradas 24 espécies nativas e 15 meliponários já foram visitados pelo projeto; na Baixada Maranhense, a diversidade é ainda maior: 46 espécies registradas e cerca de 50 meliponários acompanhados. Entre as atividades, destacam-se a análise da qualidade do mel produzido, palestras com produtores e oficinas em escolas municipais e estaduais, levando educação ambiental para crianças e jovens.

Diferenças e importância ecológica

As abelhas são classificadas em ápis, que possuem ferrão, e meliponíneos, sem ferrão. A criação das espécies nativas brasileiras é chamada de meliponicultura, enquanto a apicultura refere-se às abelhas com ferrão.

Além da presença ou não do ferrão, o mel também apresenta diferenças significativas. O mel das abelhas sem ferrão é considerado nutricionalmente superior, menos doce e com características únicas. “É um mel que tem uma quantidade de umidade muito maior, até estraga com facilidade. Por isso, é necessário fazer alguns processos de conservação para manter o mel. É um mel com um sabor muito diferenciado, porque é mais ácido”, explica a professora Mari.

Mais do que alimento, esse mel é um reflexo do ambiente. Como os meliponíneos desempenham papel crucial na polinização, a qualidade do produto é vista como indicador do equilíbrio ecológico. O processo de transferência de pólen entre flores garante maior quantidade e qualidade de frutos, resultando em composições químicas mais ricas em açúcares e proteínas.

O Rio Grande do Sul conta com 24 espécies nativas de abelhas sem ferrão, listadas pela Instrução Normativa nº 03/2014 da Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura (Sema). Para iniciantes, destacam-se a Jataí e as Mirins, resistentes e adaptadas. Em escala comercial, as mais utilizadas variam conforme o objetivo: para produção de mel, Tubuna, Jataí e Mandaçaia são recomendadas; já para venda de colônias, a Mandaçaia e a Mirim Guaçu ganham destaque.

Muito além da produção, essas abelhas são fundamentais para a agricultura e para a preservação da biodiversidade. Elas garantem serviços de polinização essenciais para culturas como café, laranja, maçã e morango, além de estarem diretamente ligadas à manutenção de ecossistemas silvestres.

Desafios do setor

Apesar do avanço, a meliponicultura enfrenta desafios que vão desde os impactos das mudanças climáticas e da escassez de alimento natural até a baixa variabilidade genética das colônias. Some-se a isso a falta de regulamentação sobre o uso de agrotóxicos e a ausência de parâmetros oficiais de qualidade e identidade para o mel das espécies sem ferrão.

Meliprodutos

A paixão pelas abelhas também transformou a vida da servidora Flânia Mônego, do Departamento de Fitotecnia da UFSM. Seu primeiro contato foi em 2022, durante o I Simpósio de Apicultura e Meliponicultura da Região Central do RS, promovido pela própria professora Fernanda. Flânia participou do evento produzindo mudas de plantas aromáticas e medicinais para os inscritos e acabou encantada após assistir palestras e oficinas.

Daquele encontro nasceu não só o interesse pelas abelhas sem ferrão, mas também pelos meliprodutos. Hoje, Flânia dedica-se à produção de sabonetes artesanais formulados com mel de Jataí, óleos essenciais, argilas e extratos vegetais. “Foram as abelhas e os sabonetes que conquistaram meu coração. Transformei a paixão em hobby, mas também em uma forma de renda extra, envolvendo minha família na produção”, relata.

Atualmente, ela já desenvolveu 19 aromas diferentes de sabonetes em barra, com propriedades que vão de hidratação e regeneração da pele a efeito calmante, clareador e antissinais. Além disso, testa novas formulações para sabonetes líquidos, ampliando seu portfólio.

Conhecimento compartilhado

Entre os novos entusiastas da meliponicultura também está a criadora Priscila Eberle, que iniciou oficialmente na atividade em 2022. Movida por uma antiga paixão pela natureza, ela e sua família dedicaram meses a estudos e trocas de experiência com outros meliponicultores antes de instalar a primeira colmeia. A associação à Amel-RCG foi determinante para ganhar confiança e aprofundar os cuidados.

“Para nós, a meliponicultura é mais que um hobby; é uma ferramenta de educação ambiental e uma atividade gratificante para praticar em família. Nosso grande objetivo é difundir informações e mostrar às pessoas a importância desses incríveis polinizadores para o ecossistema”, afirma.

Atualmente, Priscila mantém 11 espécies nativas em seu meliponário, cada qual com características próprias. A Jataí, por exemplo, é mansa e bastante adaptada a áreas urbanas, enquanto a Mandaçaia se destaca pela robustez e pela produção de um mel de sabor inconfundível. Já as Mirins, incluindo espécies como a Guaçu e a Droryana, são pequenas e especializadas em polinizar flores miúdas. Há ainda espécies mais defensivas, como Tubuna e Canudo, conhecidas pelo comportamento “pavio curto”, mas também valorizadas pelo própolis e pelo mel de qualidade.

A diversidade também se reflete nos produtos e serviços que ela desenvolve. Como a produção de mel ainda não é a prioridade, Priscila aposta em alternativas voltadas à sustentabilidade do manejo. Entre eles estão o extrato de própolis, reconhecido por propriedades terapêuticas, e a fabricação de caixas racionais de madeira, adaptadas para diferentes espécies. “Produzimos desde modelos mais simples até versões sofisticadas, que além de funcionais podem se tornar elementos decorativos”, explica.

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