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Moda Circular Cresce: o estilo que salva o planeta

Em meio às crescentes preocupações ambientais e à urgência de novos hábitos de consumo, a moda circular vem se firmando como uma alternativa sustentável e estilosa ao modelo tradicional da indústria têxtil. Com isso, os brechós têm deixado de ser apenas espaços de roupas usadas para se tornarem protagonistas de uma nova forma de vestir e pensar o mundo. Não por acaso, o Dia Mundial do Brechó, ou Dia Mundial do Second Hand, é celebrado anualmente em 25 de agosto, reforçando a importância da reutilização na moda.

A indústria da moda descartou mais de 92 milhões de toneladas de resíduos têxteis na última década, segundo relatório da Global Fashion Agenda. A estimativa é que esse número cresça 60% até 2030, alcançando a marca de 140 milhões de toneladas. Além disso, a produção de roupas responde por até 8% das emissões globais de carbono, conforme aponta o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma). O tingimento têxtil também figura entre os grandes vilões, já que é o maior poluidor de fontes de água do planeta.

Brechós: de tabu a tendência sustentável

“Moda circular consiste, basicamente, em pensar em todo o ciclo de vida da roupa, desde como ela é produzida até o que acontece com ela depois que a gente para de usar. Ao invés de seguir aquele modelo tradicional de ‘produz, usa e joga fora’, a ideia é reaproveitar, transformar, revender ou reciclar”, explica a professora Paula Dariva, do curso de Design de Moda da Universidade Franciscana (UFN). Para ela, os brechós são peças-chave da moda circular, pois prolongam a vida útil das roupas, evitam o descarte precoce e incentivam o consumo consciente.

Antonella Pichinin, proprietária da Florenttina Brechó Boutique, reforça essa percepção ao destacar que o público atual está muito mais preocupado com a qualidade das peças do que com a origem delas. “Aqui no Florenttina, tu consegues comprar uma peça boa, de qualidade, de marca, com bom corte e caimento, enfim, por um preço realmente bem mais em conta e, falando em qualidade, melhor do que as fast fashion”, comenta. Ela explica que essa combinação de qualidade e preço acessível tem atraído consumidores que buscam peças duráveis e estilosas: “É economia, e a certeza de que tu vai ter aquela peça por muito mais tempo, que vai te acompanhar em várias temporadas”.

O mercado de brechós também tem se especializado e se nichado, observa Antonella. “Tem brechó com vibe streetwear, só de roupa de academia, de treino, brechó com pegada 100% marca. Essa diversidade contribui para que os brechós deixem de ser vistos como espaços genéricos e se tornem referências para públicos específicos, reforçando o papel deles na moda circular.

Segundo Paula Dariva, o crescimento desse mercado pode ser atribuído a fatores como o preço acessível, a exclusividade das peças e o engajamento ambiental da Geração Z: “Eles estão mais conscientes e preferem consumir de forma mais ética. Comprar em brechó virou um estilo de vida que une economia, estilo e responsabilidade”, comenta.

Da maternidade ao empreendedorismo

Um exemplo concreto dessa transformação vem da NACAROLI, um brechó boutique criado pelas empreendedoras Natália Zuse, Caroline Dilenburg e Juliana Scolari. Mães, elas decidiram investir na moda circular após perceberem que, depois da maternidade, suas antigas rotinas de trabalho já não dialogavam com a nova fase da vida. “Queríamos algo que nos permitisse estar perto da família e também fazer sentido com o que a gente acredita”, explicam. “Sabíamos o quanto as roupas infantis são pouco usadas e como é importante fazer essas peças circularem”.

Com foco em roupas seminovas em ótimo estado para crianças e mulheres, a NACAROLI cresceu com base em redes sociais, lives semanais, fornecedoras fixas e parcerias com lojas que repassam peças novas, muitas ainda com etiqueta. “Aqui nada tem manchinha, bolinha, nem está descosturado. Higienizamos tudo, são peças impecáveis. Muitas parecem novas”, garantem as sócias.

O espaço também oferece itens de enxoval, calçados, bolsas e roupas femininas do P ao GG, com algumas opções em tamanhos plus. “A cliente que vem desapegar das roupas do filho acaba encontrando algo para si. A maternidade muda o corpo e o estilo, e a moda circular ajuda a acompanhar essa nova fase com autoestima”.

O olhar de quem consome

A servidora pública Jaqueline Souza é uma consumidora de brechós. Sua primeira experiência com moda circular foi com bolsas de luxo, entre elas, uma Louis Vuitton adquirida em um brechó de second hand. “Depois disso, entendi a qualidade das peças de segunda mão. A gente aprende que elas não são descartadas por serem ruins, mas porque as pessoas mudam de fase, de estilo ou de vida”, diz.

Mãe de dois filhos, Jaqueline passou a buscar também roupas infantis e enxoval em brechós, com uma nova consciência de consumo: “Não é porque foi usada que é ruim. Se a peça não fosse boa, ela não resistiria ao segundo ciclo. A gente para de comprar por marca e começa a comprar por qualidade, e isso é libertador”.

Ela ensina os filhos sobre o valor da reutilização, e conta isso com orgulho: “Meus filhos já entendem o que é um consumo consciente. Eles perguntam: ‘mamãe, essa roupa era de um garotinho que gostava de correr?’. Isso é lindo.” Mais do que o preço acessível, ela enxerga na moda circular uma forma de fazer parte de algo maior: “A Terra não tem um cesto de lixo fora. O lixo está aqui dentro. Então, pra onde vai tudo isso se continuarmos nesse ritmo de descarte?”, reflete.

Sobre o preconceito que ainda persiste em relação aos brechós, ela é direta: “A gente precisa desconstruir a ideia de que roupa usada é coisa ruim. Eu já comprei vestido de couro que parece feito sob medida. O que faz a roupa é a nossa atitude.”

Um ciclo criativo e afetivo

Para além da revenda, os brechós dialogam com práticas como o upcycling e a customização. “É reaproveitar com estilo e personalidade”, destaca a docente. “Tem muita gente que compra em brechó já pensando em transformar a peça: faz uma barra, borda, pinta, corta.”

Essas práticas sustentáveis também vêm ganhando espaço na formação acadêmica. Na UFN, Paula coordena uma disciplina chamada Customização de Vestuário, aberta a estudantes de todos os cursos: “É um exercício de criatividade, consciência e afeto com aquilo que vestimos”.

Mesmo assim, algumas marcas começam a se alinhar aos princípios da economia circular. A Patagônia, por exemplo, incentiva o reparo e a reutilização. A Levi’s investe em jeans reciclado e mais resistentes. “A indústria pode repensar tudo: materiais, forma de produzir, distribuir e se relacionar com o consumidor”.

O futuro é coletivo e consciente

Dados do ThredUp Resale Report indicam que o mercado global de roupas de segunda mão deve dobrar até 2027. No Brasil, a tendência é visível: há um crescimento acelerado de brechós online, lojas físicas de curadoria e plataformas especializadas em revenda. Mais do que uma moda passageira, a moda circular representa uma mudança cultural e comportamental. “Pensar moda de forma circular não é apenas uma tendência – é uma necessidade urgente”, conclui Paula Dariva.

Por: Reinaldo Guidolin

Reinaldo Guidolin

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