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Nem Todo Pai é Ausente, Nem Toda Mãe é Justa: O Complexo Universo da Parentalidade

Por Eizzi Benites Melgarejo – OAB/RS 86.686 – especialista em direito de família e sucessões – Sócia do escritório Urach, Jensen, Abaide, Melgarejo e Brum 

Neste Dia dos Pais, peço licença aos leitores habituais desta coluna. Hoje, não falarei apenas sobre maternidade, equidade de gênero ou os desafios que atravessam tantas mulheres na vida e no Judiciário. Hoje, o olhar será outro: o dos pais presentes, muitas vezes silenciados, invisibilizados ou rotulados. Um olhar que parte da minha experiência como filha, como mãe e como advogada.

Sobre o título deste artigo: Nem todo pai é ausente, e nem toda mãe é justa. Duro? Talvez. Mas verdadeiro. Como mulher e profissional da área jurídica, aprendi que não podemos mais cair na armadilha de uma narrativa rasa que coloca todos os homens num mesmo estereótipo. Para mim, a generalização sempre é um risco. A maternidade não é, por si só, sinônimo de virtude. E a paternidade, ao contrário do que tantas vezes ouvimos, não é um favor. É um direito. É uma responsabilidade. É, sobretudo, um elo afetivo que forma identidades, referências e futuros.

Importante dizer: defendo sim as mulheres. E como não defender? São elas, em grande parte, que ainda ocupam os espaços mais invisíveis, mais sobrecarregados e mais vulneráveis dentro da estrutura familiar. São elas que sustentam filhos sozinhas, que enfrentam jornadas múltiplas, que carregam culpas e cobranças desumanas. Mas justamente por reconhecer a complexidade da experiência feminina, não posso me furtar de ver que nem toda mãe é boa, assim como nem todo pai é ruim. Existem mães que maltratam, que alienam, que abusam emocionalmente. Existem mães que instrumentalizam os filhos e se negam a compartilhar o espaço afetivo com o pai. E existem milhares de pais, hoje, em todo o país, travando batalhas judiciais simplesmente para serem vistos. Para terem o direito de participar da vida dos seus filhos, algo que, em um mundo mais justo, deveria ser natural e garantido.

Eu cresci com meu pai presente. Um homem íntegro, afetivo, que me ensinou mais pelo exemplo do que por qualquer discurso. Cresci observando a forma como ele tratava minha mãe, minha avó, minhas tias. Com respeito, gentileza e firmeza. Ele não é perfeito, ninguém é, mas sua maneira de ser homem me deu uma régua. Uma boa régua! Um parâmetro sobre como eu deveria ser tratada e, mais ainda, sobre como não aceitar ser tratada.
Ter carinho e limites, escuta e presença, foi o que me ajudou a crescer com autoestima e discernimento. Me ensinou a me respeitar, a me proteger e a não tolerar relacionamentos abusivos. Meu pai foi, antes de tudo, um espelho, e isso moldou não só a mulher que me tornei, mas também a mãe e a advogada que sou hoje. Me deu valores que, hoje, passo aos meus filhos. 


Um outro exemplo de pai, é o pai dos meus filhos mais velhos, Pietro e Theo. Esse primeiro relacionamento durou anos. A relação, como tantas, teve seu ciclo, sua beleza, suas dores. Mas algo permaneceu: o respeito e compromisso mútuo com a parentalidade. Ele é um pai presente, responsável, amoroso. Temos diferenças, claro. Nem sempre foi simples, mas há algo maior que qualquer impasse: o respeito à função do outro na vida dos nossos filhos.
Essa convivência me mostrou que, mesmo quando um casal se desfaz, a paternidade e a maternidade não devem acabar junto. Não é preciso que a relação seja perfeita, é preciso que o compromisso com os filhos seja preservado com dignidade. É preciso entender que cada um tem seu espaço e sua função na vida dos filhos e o amor nunca é demais. 

E meu terceiro exemplo de pai, é meu marido. 
Antes de sermos pais do Bento, meu marido me escolheu. Me escolheu já com dois filhos, com uma história, com uma carga emocional. E escolheu, junto comigo, amar duas crianças que não vieram do seu sangue, mas cresceram no seu coração.
Esse amor é raro e é imenso. Não busca substituir ninguém. Ele sabe que é padrasto, e não busca substituir ninguém. Sabe seu espaço e respeita a minha maternidade e do pai dos meninos. E é com essa denominação de ser padrasto que ele escreve um papel tão importante na vida deles. Cuida, aconselha, protege, dá bronca, abraça, chora junto. E quando o Bento chegou, não foi surpresa vê-lo ser exatamente o pai que eu já sabia que ele seria. Carinhoso, presente, instintivamente protetor, responsável, participativo e cuidadoso. 

Ver esses três homens em diferentes papéis de paternidade: meu pai, o pai dos meus filhos mais velhos e meu marido,  é um lembrete vivo de que o afeto masculino existe, resiste e educa. Existe sim paternidade responsável, sensível e real. Só precisamos parar de ignorá-la.


Na minha atuação profissional, já atendi inúmeras mães, muitas delas lutando com toda força para garantir os direitos dos filhos. Mas também atendi pais injustiçados, alienados, tratados como secundários ou até como ameaça e muitas vezes sem fundamento. Alienação parental é real,  e não, ela não tem gênero. É exercida por quem usa o filho como ferramenta de vingança ou barganha emocional. Há pais que passam meses sem ver os filhos. Que precisam judicializar aniversários. Que choram em audiências ao falarem de uma rotina que foi arrancada à força do seu dia a dia.

O que está em jogo não é o “direito do pai”. É o direito dos filhos de terem acesso à figura paterna, quando esta é saudável, amorosa, presente. A Constituição, o Estatuto da Criança e do Adolescente, e a jurisprudência mais moderna reconhecem que a convivência familiar equilibrada é um direito da criança, não uma concessão dos pais entre si.

Paternidade não pode ser definida e generalizada por memes como “pai de fim de semana” ou por visões rasas que marginalizam todos os homens como se fossem, por definição, irresponsáveis. Existem maus pais? Sim, muitos. Mas também há bons homens sendo impedidos de exercer uma paternidade digna. E isso, como sociedade e como operadores do Direito, não podemos mais ignorar.


O papel do pai, especialmente da figura masculina saudável, é fundamental para o desenvolvimento emocional e psicológico dos filhos. Para as meninas, o pai representa o primeiro espelho do afeto seguro vindo do universo masculino  influenciando diretamente a forma como ela se percebe, se valoriza e se protege ao longo da vida. Para os meninos, o pai funciona como um modelo de identidade e conduta, uma referência essencial para aprender a lidar com as próprias emoções e com as relações interpessoais.

Do ponto de vista psicológico, a presença paterna fortalece a autoconfiança, o senso de pertencimento e a capacidade de regulação emocional da criança. Sob a ótica filosófica, a figura paterna simboliza a palavra que orienta, que estrutura e que estabelece a travessia entre o mundo interno e a realidade externa. Assim, o pai que acolhe e impõe limites com amor não se limita a educar: ele ergue pilares invisíveis que sustentam a segurança existencial e a formação integral do indivíduo.

E, importante asseverar: paternidade também não é só de sangue. Ela se constrói no vínculo, no afeto, na presença. Há pais de coração, há mães que também cumprem o papel paterno, há avós que se tornam verdadeiros pilares emocionais para crianças e adolescentes. Todas essas configurações merecem ser reconhecidas, valorizadas e protegidas, porque o que forma uma criança não é apenas a origem genética, mas a qualidade do cuidado que ela recebe.


É justamente por essa importância profunda e multifacetada que, neste Dia dos Pais, proponho que voltemos nosso olhar para os homens que, com suas falhas e acertos, exercem a paternidade com dedicação. Homens que se importam, que sustentam, que educam, que abraçam, não buscando aplausos, não querem ser o pai de final de semana nem o pai do ano. Só querem ser pais. E, sim, merecem reconhecimento e respeito.

São esses pais, presentes e atuantes, que transformam a vida de seus filhos e filhas, assim como meu pai transformou a minha e os pais dos meus filhos transformará a deles. 

Hoje, mais do que nunca, precisamos enxergar e reconhecer os direitos desses homens, não como uma mera formalidade jurídica, mas como um passo essencial para garantir o direito mais precioso que todos temos: o direito à convivência, ao amor e à construção diária de vínculos que jamais se desfazem.

Trabalho, acredito e torço para que cada pai continue buscando seu lugar na vida dos filhos, mantendo vivo esse papel fundamental que orienta o caminho da infância, da adolescência e da vida adulta. Porque, no fim, ser pai é muito mais que um papel biológico, é um compromisso eterno, uma presença que cura, fortalece e transforma.

Que possamos honrar e reconhecer essa verdade com justiça, humanidade e sensibilidade. Para que, em cada abraço paterno, haja a certeza de um amor que jamais se perde.

samara

View Comments

  • Prezada Dra Eizzi, boa tarde!
    Só a conheço por esse seu belíssimo artigo.
    Não conheço os pais dos seus filhos.
    Mas conheço seu pai e sei que é justa a homenagem que presta a ele. Então, por analogia, estou certo de que suas palavras elogiosas aos pais do Pietro, do Theo e do Bento carregam a justiça sem bajulação.
    Eu mesmo me senti homenageado com seu artigo, viu?
    Receba Dra, com afeto e admiração, o meu abraço de gratidão!
    Parabéns!!!

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