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O avanço da cannabis medicinal e a luta por acesso em Santa Maria

Você provavelmente conhece alguém que sofre com dores crônicas, ansiedade, insônia, epilepsia ou até mesmo Parkinson. São doenças que se tornaram quase comuns em nosso cotidiano, presentes em histórias de amigos, familiares e vizinhos. O que talvez ainda não seja tão comum é o conhecimento de que a cannabis medicinal, mais especificamente o óleo de canabidiol (CBD), pode ser uma alternativa eficaz para aliviar os sintomas dessas e de outras condições. Apesar dos avanços científicos, o acesso a esse tipo de tratamento ainda enfrenta barreiras burocráticas, legais e, sobretudo, um preconceito institucionalizado que compromete vidas.

A esperança em forma de proposta: o projeto de lei de Cechin

Em Santa Maria, o vereador Sergio Cechin propôs um Projeto de Lei para criar um Programa Municipal de Acesso ao Óleo de Cannabis Medicinal pelo SUS. A proposta previa parcerias com universidades, campanhas de conscientização e um cadastro municipal de pacientes. No entanto, o projeto foi temporariamente retirado para ajustes técnicos.

“Não foi arquivado. Retiramos para aprimorar a base jurídica. Queremos reapresentar a proposta com ainda mais solidez”, afirma Cechin, que reconhece as resistências institucionais enfrentadas, como questionamentos sobre a competência legal do município para legislar sobre o tema.

A voz da medicina: Dr. Dzieva e o enfrentamento ao preconceito

O médico Matheus Dzieva, um dos poucos prescritores de cannabis medicinal na cidade, aponta que o principal entrave para o avanço pleno do uso terapêutico da planta é a combinação entre preconceito e desinformação.

“Mais da metade dos estudos sobre cannabis foram publicados nos últimos cinco anos. Quem não se atualizou nesse período acaba negando evidências que nem conhece”, explica.

A cannabis tem se mostrado eficaz em casos como dores crônicas, epilepsias, insônia, ansiedade, TDAH, TEA, Parkinson, entre outros, muitas vezes com menos efeitos colaterais do que os tratamentos tradicionais. Segundo Dzieva, diferente de muitos medicamentos, a cannabis exige acompanhamento contínuo e personalizado. “Não existe receita de bolo. Cada paciente reage de forma diferente, e os ajustes são feitos de maneira individualizada. É medicina baseada na escuta e na adaptação.”

A resistência organizada: ASCAMED e o acolhimento necessário

Fundada oficialmente em 2021 em Santa Maria (RS), a ASCAMED nasceu da vivência pessoal de Matheus Almeida Hampel, que encontrou na cannabis uma alternativa eficaz para tratar as dores crônicas provocadas por uma condição genética de degeneração óssea.

“A ASCAMED surgiu da necessidade de ampliar o acesso seguro, consciente e responsável à cannabis medicinal, especialmente diante das dificuldades legais, financeiras e sociais que ainda existem no Brasil”, explica Matheus.

Com mais de 900 pacientes cadastrados, todos com prescrição médica e acompanhamento contínuo, a associação oferece suporte jurídico, psicológico e social, conecta pacientes com médicos prescritores e orienta sobre os caminhos mais seguros e legais para o uso terapêutico da planta.

O olhar jurídico: o que diz a lei?

O advogado criminalista Dionatan Costa, de Santa Maria, explica que o principal caminho legal para o uso da cannabis medicinal é a importação autorizada pela Anvisa, mediante prescrição médica. Contudo, os altos custos e a burocracia levam muitos a recorrer ao SUS ou à Justiça.

A judicialização é comum quando o paciente não pode pagar, não encontra o produto no SUS ou precisa do salvo-conduto para cultivo doméstico. Apesar da Lei de Drogas proibir o cultivo, o Judiciário tem autorizado casos individuais com base no direito à saúde e à vida digna.

Um marco importante foi a decisão do STJ (HC 802866), que concedeu salvo-conduto a pacientes autorizados a importar canabidiol, reconhecendo o cultivo para uso pessoal como legítimo. Costa também destaca a importância de associações como a ASCAMED, que têm recebido decisões favoráveis permitindo a produção de óleo para seus associados.

Apesar dos avanços, a recente operação da Polícia Federal contra a ASCAMED evidencia a confusão entre o uso medicinal e o uso ilícito da cannabis. “Essa generalização é um atraso. Ela reforça o estigma, ignora a ciência e penaliza quem mais precisa”, lamenta o advogado.

Com a apreensão de materiais pela PF, centenas de pacientes ficaram desamparados. Muitos entraram em crise com a interrupção da produção e distribuição do óleo. “Estamos falando de saúde, de sobrevivência”, afirma Matheus Hampel.

Santa Maria como protagonista

Mesmo diante dos desafios, o vereador Cechin continua acreditando no protagonismo da cidade:

“Santa Maria é um polo de saúde e educação. Não podemos nos omitir. Nossa proposta é inspirada em experiências exitosas, como a da cidade de São Paulo, onde o uso medicinal já é regulamentado de maneira segura e eficaz.”

O vereador também assinou um projeto para conceder título de utilidade pública à ASCAMED, o que pode abrir caminho para convênios com a Secretaria de Saúde e apoio institucional.

A vereadora Alice Carvalho, que na noite do dia 26 de Maio, no Plenarinho da Câmara Municipal, houve um debate em defesa de um Plano Municipal de Uso e Distribuição de Medicamentos à Base de Canabinoides. O evento reuniu profissionais da saúde, do direito e representantes da sociedade civil em um espaço de troca e construção coletiva de conhecimento sobre os usos terapêuticos de canabinoides. Cada um contribuiu com reflexões importantes sobre os desafios legais, como a aprovação, pela Câmara de Vereadores, de um Projeto de de criação de um Plano Municipal, como o apresentado pela Vereadora Alice (PL 9935/2025).

Durante o debate, foram discutidos os benefícios comprovados do uso medicinal de canabinoides, a urgência da regulamentação municipal, os entraves enfrentados por pacientes e profissionais, e o papel fundamental das associações na garantia do acesso ao tratamento. Um dos encaminhamentos do debate foi a realização de novas atividades para promover a discussão sobre a importância do tema.  O debate foi promovido pelo mandato da vereadora Alice Carvalho em parceria com a ASCAMED.

Enquanto o Congresso e o STF discutem o futuro da regulamentação da cannabis medicinal no Brasil, como no julgamento em curso (ARE 1479210), que pode ampliar o acesso ao medicamento e legitimar sua produção por farmácias de manipulação, pacientes seguem dependendo da coragem de médicos, da sensibilidade de políticos e da atuação incansável de associações.

“Boa parte dos tratamentos que hoje consideramos tradicionais começou como alternativa. A cannabis já tem respaldo suficiente. Quem não se atualizar, vai ficar para trás”, conclui o Dr. Dzieva.

Para Cechin, o compromisso permanece:

“Acredito firmemente que há espaço para essa pauta no Legislativo. O Legislativo precisa ser sensível ao sofrimento humano e receptivo à inovação que salva vidas.”

Reflexão e convite

A discussão sobre a cannabis medicinal é, antes de tudo, uma discussão sobre empatia, ciência e justiça social. Diante de tantas evidências e histórias de vida transformadas, o que ainda impede o avanço dessa pauta?

É hora de ouvir, compreender e agir. Por isso, uma audiência pública será realizada no dia 4 de junho, às 17h, na Câmara Municipal de Santa Maria, para debater o uso medicinal da cannabis e os próximos passos dessa luta coletiva.

Se você se interessa pelo tema, tem dúvidas ou quer fazer parte dessa transformação, participe. O futuro da saúde pode estar na escuta que começa agora.

Por Clara Tesche

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