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O calor do vinho no frio gaúcho: tradição em taças

Por Anna Clara Tesche

No Rio Grande do Sul, o inverno não só muda a paisagem, ele movimenta taças, experiências e um setor que une tradição e inovação: a vitivinicultura. De Santa Maria à Serra Gaúcha, o vinho é protagonista de histórias, encontros e novos caminhos. Quando o inverno chega ao Sul, ele traz consigo mais do que temperaturas baixas e paisagens cobertas de névoa, mas o desejo por uma taça de vinho tinto encorpado, um espumante premiado ou uma experiência que vai além do paladar. No estado que concentra cerca de 90% da produção de vinhos do Brasil, o frio é aliado tanto da natureza quanto do mercado, e o vinho se torna símbolo de cultura, de identidade e do turismo.

“A videira necessita do repouso do inverno, como se gostasse de ‘sofrer’ para dar frutos”, explica o representante da Vinícola Garibaldi em Santa Maria, Carlos Daniel Martins. Segundo ele, a amplitude térmica e o frio rigoroso no tempo certo favorece a qualidade das uvas, resultando em vinhos e espumantes mais expressivos. “A videira precisa de apenas uma safra ao ano para gerar frutos de excelência. Em regiões como o Nordeste, onde há até 2,5 safras por ano, notamos uma maior afinidade para uvas de consumo in natura e uma boa expressão para determinados estilos de produtos, como espumantes doces, sucos de uva e tintos de bom corpo”, completa.

A Vinícola Garibaldi é um dos nomes mais premiados do Brasil, com destaque para o espumante Moscatel, que já acumula mais de 100 medalhas internacionais. “O perfil do consumidor mudou: antes o espumante era para festas de fim de ano, hoje é consumido o ano inteiro”, aponta Carlos.

De Santa Maria para o mundo do vinho

Mesmo distante dos polos tradicionais da vitivinicultura, Santa Maria já começa a demonstrar um envolvimento maior com o universo do vinho. Um exemplo disso é a Domus Mea, vinícola e wine garden localizada na cidade, que tem atraído um público crescente em busca de rótulos locais, experiências e conhecimento.

“Durante o inverno sentimos um aumento na procura. O nosso tinto Montepulciano, por exemplo, virou o queridinho da estação”, conta Luiz Eduardo Dias, gerente comercial da Domus Mea. Segundo ele, além do consumo, há um movimento claro de qualificação: “O santa-mariense busca entender mais sobre vinhos e valorizar o que é feito aqui. Há um reconhecimento crescente dos rótulos gaúchos.”

A vinícola aposta em experiências sensoriais como degustações, piqueniques, eventos da colheita e em breve lançará um clube do vinho com benefícios exclusivos. “A experiência completa, desde a visita ao campo até a taça, é o que marca o consumidor”, reforça Luiz.

Vinho como experiência turística

Esse potencial do vinho como vetor de turismo também é reconhecido na academia. Na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), a disciplina “Mundo do Vinho e Turismo” integra a graduação em Turismo e tem se mostrado pioneira na abordagem do enoturismo.

“O vinho não é apenas um produto, ele é experiência, identidade e cultura. O consumidor começa pela taça, mas logo quer conhecer a história, o terroir, os produtores”, explica o professor e pesquisador Ivo Elesbão. Segundo ele, o enoturismo cresce impulsionado por três fatores: a busca por natureza, a valorização da produção local e o interesse por gastronomia e experiências autênticas.

Para o professor, o inverno é um gatilho cultural que potencializa o vinho. “Há uma associação emocional com o vinho no frio, pela culinária mais aconchegante, pelas paisagens e pela ideia de conforto”, comenta. Regiões como a Serra Gaúcha continuam sendo líderes nesse segmento, mas outras áreas ganham destaque, como a Campanha Gaúcha e, futuramente, até mesmo a região de Santa Maria, que apresenta potencial. “A experiência turística com vinho é naturalmente marcante, desde que bem organizada”, conclui o professor Ivo.

A matéria-prima, a técnica, o saber local e o frio do inverno compõem uma receita que faz do vinho uma das expressões mais singulares da cultura gaúcha. Entre vinícolas premiadas, iniciativas locais e ensino acadêmico, o que se vê é um mercado em constante amadurecimento, como o próprio vinho.

E como bem diz o professor Ivo: “O melhor vinho é aquele que esteve presente em um momento inesquecível. É o que foi dividido com alguém especial, o que acompanhou um prato marcante, o que fez parte da história de cada um. O vinho bom é o vinho com memória.”

Redação enFoco

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