Santa Maria acorda. O sol bate nos mesmos buracos que desafiam motoristas. Os grupos de WhatsApp, que não dormem, já acumulam novos alertas sobre furtos em estabelecimentos e roubos de fios. A rotina de medo não escolhe horário e em meio ao vai e vem de quem vive o dia a dia, erguem-se os outdoors oficiais. Eles trazem uma frase que já soa como uma piada de mau gosto para quem conhece a realidade das ruas: “Inovar é cuidar”.
Inovar. Palavra que cheira a modernidade, a soluções inteligentes. Aqui, a única inovação que o cidadão comum testemunha é a da própria sobrevivência. Inova-se no caminho para o trabalho, desviando de vias escuras mesmo sob a luz do dia. Inova-se no orçamento, que precisa incluir a possibilidade de repor um celular. É uma inovação nascida do cansaço, uma criatividade amarga para lidar com o retrocesso.
E o “cuidar”? Esse é um fantasma. Some-se na poeira das obras paradas. Esconde-se atrás dos portões das escolas onde o silêncio dos alunos ecoa mais alto que qualquer discurso. Onde está o cuidado com aqueles que carregam a missão de educar? Foi soterrado em reuniões infrutíferas e na desvalorização que levou os professores às ruas, enquanto o direito à aposentadoria digna vira um labirinto sem saída para quem já cumpriu sua parte.
O santamariense, personagem principal dessa história não contada nos releases oficiais, está exausto. Ele se tornou um perito em decifrar o duplo sentido da propaganda. Ele vê a notícia da “requalificação” de uma praça, mas seu filho volta para casa mais cedo porque a aula foi suspensa novamente. Ele paga seus impostos com a fé de quem espera um retorno mínimo de dignidade e, em troca, recebe um pacote de ilusões bem editadas, veiculadas nas redes da prefeitura.
Há um abismo cada vez maior entre o que é anunciado nos “microfones” do poder e o que é vivido nas paradas de ônibus e nas conversas de calçada. O cidadão se transformou em um tradutor à força, convertendo o “inovar é cuidar” para a língua dura do cotidiano: “sobreviver é se virar”.
A verdadeira crônica de Santa Maria não é escrita nos gabinetes com ar-condicionado. Ela é gravada a cada olhar de preocupação ao cruzar a rua, a cada suspiro de um professor desrespeitado, a cada lamento de um servidor que vê seu futuro ser negado. É a crônica de uma cidade forte, que merece florescer, mas que se vê presa no cativeiro de um descaso pintado de inovação.
Enquanto isso, a vida segue. E o slogan, imperturbável, segue nos outdoors, impresso em cores vibrantes que não conseguem colorir a realidade cinza de quem mora aqui. Resta a pergunta que não cala, ecoando no pensamento de todos a cada novo dia: quando, afinal, o cuidado vai de fato inovar a vida de quem habita esta cidade? Ou vamos ter que continuar inovando, sozinhos, a nossa arte aguçada de resistir?
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