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O GOLPE DA FALSA PORTABILIDADE: Quando a promessa de alívio financeiro se transforma em armadilha bancária

O avanço dos meios digitais e a ampliação do acesso ao crédito trouxeram benefícios inegáveis ao consumidor brasileiro. Contudo, esse mesmo cenário abriu espaço para o crescimento exponencial de fraudes bancárias cada vez mais sofisticadas, dentre elas, o chamado golpe da falsa portabilidade, que tem vitimado principalmente aposentados, pensionistas e consumidores superendividados.

Esse golpe se apresenta como uma falsa oportunidade de redução de parcelas, juros menores ou quitação de dívidas, mas, na prática, resulta em novos contratos fraudulentos, aumento do endividamento e, muitas vezes, no desconto indevido direto em benefícios previdenciários. Diante disso, compreender como esse golpe funciona, quais são suas características e qual a responsabilidade das instituições financeiras é fundamental, tanto para o consumidor quanto para o advogado que atua na defesa bancária.

O QUE É O GOLPE DA FALSA PORTABILIDADE

A portabilidade de crédito é um direito legítimo do consumidor, que permite a transferência de uma dívida de uma instituição financeira para outra, com condições mais vantajosas. O problema surge quando criminosos se apropriam desse discurso para simular uma portabilidade que, na realidade, nunca existiu.

No golpe da falsa portabilidade, o consumidor é contatado — geralmente por telefone, WhatsApp ou redes sociais — por alguém que se passa por representante de um banco ou correspondente bancário. O discurso é sempre atrativo: redução de juros, diminuição da parcela mensal ou até a quitação antecipada de contratos antigos.

Convencido de que está apenas transferindo sua dívida, o consumidor acaba assinando ou autorizando um novo contrato, muitas vezes sem perceber, ou sequer tem acesso claro aos documentos. Em diversas situações, o valor do suposto empréstimo não é depositado em sua conta, sendo desviado ou utilizado para “quitar” um contrato que, na prática, continua ativo.

COMO O GOLPE SE CONCRETIZA NA PRÁTICA

O roteiro do golpe da falsa portabilidade costuma seguir um padrão bem definido:

                1.            Contato inicial fraudulento, com dados pessoais do consumidor já em posse dos golpistas, o que gera falsa credibilidade;

                2.            Promessa de vantagem financeira, especialmente redução de juros ou parcelas;

                3.            Solicitação de confirmação de dados, envio de documentos ou selfies, ou até assinatura digital;

                4.            Formalização de um novo contrato, sem a efetiva portabilidade da dívida original;

                5.            Início dos descontos indevidos, geralmente diretamente no benefício do INSS ou na conta bancária do consumidor.

Em muitos casos, o consumidor só percebe o golpe quando nota que os descontos aumentaram ou que passou a pagar duas dívidas simultaneamente, sem jamais ter recebido qualquer valor.

O PERFIL DAS PRINCIPAIS VÍTIMAS

Embora qualquer consumidor possa ser vítima, os materiais analisados demonstram que o golpe da falsa portabilidade atinge com maior frequência:

                •             Aposentados e pensionistas do INSS;

                •             Consumidores superendividados, em busca de alívio financeiro;

                •             Consumidores que já possuem contratos consignados ativos.

Esse público é especialmente vulnerável, seja pela confiança excessiva em ligações telefônicas, seja pela dificuldade em compreender contratos bancários complexos, o que reforça o dever de proteção previsto no Código de Defesa do Consumidor.

A RESPONSABILIDADE DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS

Sob a ótica do Direito Bancário e do Direito do Consumidor, o golpe da falsa portabilidade não pode ser tratado como simples “culpa exclusiva de terceiro”.

As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos causados aos consumidores quando há falha na prestação do serviço, especialmente nos casos de:

                •             Ausência de comprovação válida da contratação;

                •             Falta de mecanismos eficazes de segurança;

                •             Liberação de crédito sem confirmação adequada da vontade do consumidor;

                •             Descontos realizados sem lastro contratual legítimo.

A atividade bancária é considerada de risco, e cabe às instituições garantir a segurança das operações, bem como a transparência e o dever de informação. A inexistência ou fragilidade desses cuidados caracteriza falha grave na prestação do serviço.

CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO GOLPE DA FALSA PORTABILIDADE

Do ponto de vista jurídico, o golpe da falsa portabilidade pode gerar diversas consequências favoráveis ao consumidor, entre elas:

                •             Declaração de inexistência do contrato fraudulento;

                •             Suspensão imediata dos descontos indevidos;

                •             Restituição dos valores descontados, em regra de forma dobrada, quando configurada a cobrança indevida;

                •             Indenização por danos morais, diante da violação à dignidade, à tranquilidade e à segurança financeira do consumidor.

Esses efeitos não dependem da comprovação de má-fé do banco, mas sim da demonstração da falha na prestação do serviço, conforme amplamente abordado nos materiais do Método CIA do Direito Bancário.

A IMPORTÂNCIA DA ATUAÇÃO ESTRATÉGICA DO ADVOGADO BANCÁRIO

Para o advogado que atua na defesa do consumidor, o golpe da falsa portabilidade representa uma das principais frentes de atuação no Direito Bancário atual. A análise minuciosa dos contratos, dos extratos bancários e da origem dos descontos é essencial para identificar rapidamente a fraude.

Além disso, é indispensável compreender que o foco da demanda não é apenas o golpe em si, mas a conduta da instituição financeira, que permitiu a formalização de um contrato sem observância dos deveres legais de segurança, informação e transparência.

A atuação estratégica envolve desde notificações extrajudiciais até ações judiciais bem fundamentadas, com pedidos claros e objetivos, visando a proteção integral do consumidor lesado.

CONCLUSÃO

O golpe da falsa portabilidade é mais do que uma fraude isolada: trata-se de um reflexo direto da vulnerabilidade do consumidor frente a práticas bancárias mal fiscalizadas e da atuação deficiente das instituições financeiras na proteção de seus clientes.

Diante desse cenário, a informação, a prevenção e a atuação jurídica especializada são instrumentos indispensáveis para combater esse tipo de abuso. Ao advogado bancarista cabe não apenas buscar a reparação dos danos, mas também atuar como agente de proteção da dignidade do consumidor, assegurando que o direito ao crédito não se transforme em um caminho para o superendividamento e a violação de direitos fundamentais.

Reinaldo Guidolin

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