Tenho pensado dias a fio sobre o medo de envelhecer. E não se trata de rugas, cabelos brancos ou do peso dos anos no corpo. O verdadeiro temor nasce da possibilidade de ser deixado para trás, de se tornar invisível aos olhos de quem deveria estender a mão. A velhice, idealizada como a “melhor idade”, pode ser, para muitos, um campo de abandono silencioso e cruel. E isso tem nome, tem forma e tem consequência jurídica.
Ao envelhecer, não se perde apenas o vigor físico. Em uma sociedade cada vez mais voltada à produtividade e à juventude, muitos pais e mães (agora idosos) passam a ocupar um espaço periférico, quase descartável, como se tivessem deixado de ter relevância. E por trás de cada olhar apagado, de cada ausência de visita, de cada consulta médica desacompanhada, há uma história de dedicação, de renúncias e de amor. Mas também, muitas vezes, de descaso.
Essa realidade, infelizmente, é mais comum do que se imagina. Ainda que a Constituição Federal, em seu artigo 230, estabeleça que “a família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida”, a prática mostra que o abandono é uma ferida aberta no cotidiano de muitos lares. E se o afeto não pode ser imposto, a responsabilidade, sim.
O Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/2003) veio como marco civilizatório na proteção da velhice. O artigo 3º afirma que é obrigação da família assegurar ao idoso “a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária”. E mais: o artigo 98 do mesmo estatuto tipifica como crime o abandono do idoso por parte do responsável legal, prevendo pena de detenção de seis meses a três anos, além de multa.
Além disso, o Código Civil, em seu artigo 1.696, estabelece que “o direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes”. Ou seja, os filhos têm o dever legal de sustentar os pais na velhice, quando estes não puderem fazê-lo por conta própria. Trata-se de um dever de solidariedade intergeracional, que vai muito além do aspecto financeiro.
Ainda assim, muitos idosos enfrentam a velhice em silêncio, não apenas pela ausência material, mas pelo abandono afetivo, que é mais sutil, mas igualmente devastador. A jurisprudência brasileira já reconheceu, em diversos casos, a possibilidade de indenização por abandono afetivo inverso, quando os pais, uma vez presentes e cuidadores, são completamente esquecidos por seus filhos. Embora polêmica, a tese vem ganhando força como tentativa de resposta do Judiciário à dor que não encontra reparo apenas em valores monetários.
No campo das relações familiares, o afeto não pode ser judicializado, mas a omissão pode ser responsabilizada. A lei não exige amor, mas impõe respeito, amparo e dignidade. É nesse espaço que o Direito atua: quando o vínculo é quebrado não pela ausência de sentimento, mas pela negligência do dever de cuidado.
Refletir sobre isso é também repensar a forma como lidamos com o envelhecimento: o nosso, o dos nossos pais, o de todos ao nosso redor. Envelhecer não deveria ser um temor, mas um processo natural e digno, sustentado por vínculos que resistem ao tempo. O que assusta não é a idade, mas a indiferença. Não é a pele enrugada, mas o coração abandonado.
Por isso, é papel do advogado e do operador do direito olhar com atenção para essas relações que, embora privadas, têm repercussões públicas. O Direito de Família moderno, atento às transformações sociais, precisa se abrir para a escuta, para a empatia e para a promoção de uma justiça que reconheça os afetos, sem ignorar os deveres.
Enfim, não se trata apenas de garantir pensão ou visitação. Trata-se de preservar a humanidade. De lembrar que pais e mães não são etapas superadas da vida de seus filhos, mas partes permanentes da sua história. E que envelhecer, com dignidade, não é privilégio, é direito.