O rosto da rua: nossa urgência invisível

Por Rudys Rodrigues – Vereador de Santa Maria

       Caminhar por Santa Maria é testemunhar uma cidade de contrastes. Em um mesmo trajeto, podemos passar por estudantes que chegam para realizar seus sonhos universitários, comerciantes que resistem diariamente e… Pessoas que dormem em praças, sob marquises, invisíveis para muitos, mas escancaradamente presentes para quem se permite ver.

       A população em situação de rua na nossa cidade aumentou drasticamente. Em 2023, eram 250 pessoas. No final de 2024, já somavam 391 — um salto de 56,4%. Este crescimento não se deu ao acaso. Ele reflete o acúmulo de crises estruturais: os efeitos da pandemia, o desemprego, a precariedade dos vínculos familiares, a saúde mental negligenciada, a dependência química e, mais recentemente, as enchentes históricas que atingiram nosso Estado, obrigando centenas a deixarem suas casas e buscarem refúgio em centros urbanos como Santa Maria.

     De janeiro a abril de 2025, a Secretaria de Desenvolvimento Social já atendeu mais de 151 pessoas em situação de rua. Destas, 119 são homens, e a grande maioria se concentra na região central: Parque Itaimbé, Igreja das Dores, Rua do Acampamento e praças próximas. Os relatos são duros e, muitas vezes, repetidos: perda de vínculos, violência, ausência de apoio institucional. O fluxo é constante — alguns saem, outros chegam, em uma rotação invisível que não para.

       A prefeitura realiza abordagens frequentes, feitas pelas equipes do Creas, que escutam, orientam e, quando possível, ajudam essas pessoas a retornarem às suas cidades de origem. Em 2025, mais de 20 pessoas já foram encaminhadas de volta com apoio logístico da gestão municipal. Ainda assim, a carência de estrutura é evidente: temos apenas três casas de passagem, que oferecem cerca de 60 vagas — claramente insuficientes para a demanda atual, ainda mais considerando que parte dessas vagas tem sido destinada a imigrantes em situação de vulnerabilidade.

       A verdade é que Santa Maria, assim como tantas outras cidades brasileiras, ainda não está equipada para oferecer uma resposta digna a essa realidade. É por isso que, como vereador e representante da nossa cidade, tomei a iniciativa de propor a criação de uma Comissão Especial na Câmara de Vereadores para tratar da instalação de um Centro de Referência Especializado para a População em Situação de Rua (Centro Pop). Este projeto será um passo fundamental para o atendimento integral, com uma equipe multiprofissional, estrutura adequada para higiene, apoio psicossocial e iniciativas de reintegração ao mercado de trabalho.

       Em colaboração com outros atores políticos de cidades vizinhas e com o alinhamento do Executivo Municipal e Secretaria de Desenvolvimento Social de Santa Maria, e da Secretaria de Desenvolvimento Social do Estado do Rio Grande do Sul, buscaremos a vinda deste serviço para Santa Maria, um marco que pode transformar a vida de centenas de pessoas que hoje vivem à margem da nossa sociedade. O Centro Pop não será apenas um abrigo, mas um centro de acolhimento e reintegração com um olhar humanizado e de longo prazo.

       A desigualdade não se resolve apenas com discurso. Ela se combate com políticas públicas de verdade. Isso significa orçamento, estrutura e vontade política. E também significa escuta ativa, empatia e compromisso com os que vivem à margem.

       Enquanto parte da população ainda prefere desviar o olhar, é dever de quem exerce um cargo público olhar de frente. Não se trata de romantizar a miséria, mas de humanizar uma pauta urgente. Cada pessoa em situação de rua carrega uma história de  falhas coletivas: do Estado, da sociedade e, sim, muitas vezes da política.

        Como vereador, reafirmo meu compromisso em lutar por mais inclusão, mais acolhimento e mais dignidade. Precisamos sair do campo do improviso e tratar esse tema como uma prioridade municipal. O rosto da rua é também o rosto da nossa cidade. E ele precisa, urgentemente, ser reconhecido.