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O Silêncio que Sangra

Os números chegam frios, como um corte de faca no escuro: 1.492 mulheres mortas em 2024, vítimas de feminicídio. O Anuário Brasileiro de Segurança Pública diz que a violência geral caiu, mas os corpos das mulheres seguem tombando. Seis em cada dez, perfurados por facas, punhais, objetos que deveriam cortar legumes, não vidas. A maioria, negras. A maioria, em casa. A maioria, assassinada por quem jurou amá-las.

Os casos recentes são apenas a ponta do iceberg de uma epidemia que não se mede apenas em estatísticas, mas em hematomas, ossos quebrados, olhares perdidos. Em Natal, um homem espancou a namorada por 37 segundos intermináveis por ciúmes de uma mensagem no celular. Aqui no Rio Grande do Sul, um homem atira na esposa na frente do filho de 5 anos. Em Santos, um sargento mata esposa e fere a filha dentro de uma clínica médica em Santos. Mais um caso bárbaro que a sociedade insiste em não enxergar.

E enquanto isso, nas telas dos celulares, o ódio se reproduz em loop. Não é mais só o parceiro que espreita, é o algoritmo que ensina: meninos de 14 anos recebem vídeos misóginos em menos de 30 minutos de uso. Mulheres que ousam falar são ameaçadas de estupro, chamadas de “gordas que não merecem ser violadas”, como se existisse algum corpo que merecesse. Laura Bates, pesquisadora britânica, alerta: nunca os jovens foram tão machistas. Nunca o veneno foi tão bem embalado em memes e discursos de “ironia”.

O Estado responde com medidas protetivas que 40% dos agressores ignoram. Lança campanhas como o Brasil Sem Misoginia, enquanto as redes sociais lucram com a audiência de haters. E nós? Nós lemos as manchetes, compartilhamos a indignação por 24 horas, e seguimos adiante até o próximo nome, até a próxima foto de rosto inchado, até a próxima mãe chorando no velório de uma filha que “não deveria ter irritado ele”.

Não há queda na violência que justifique otimismo. Há, sim, um silêncio que sangra. Um silêncio que vem dos lares, das delegacias, do Congresso Nacional, dos tribunais, das plataformas digitais. Um silêncio que só será quebrado quando encararmos a verdade: o machismo não é um monstro solto nas ruas. É o vizinho, o ex, o influencer, o juiz, o político, o filho que ninguém educou direito.

Até lá, os números seguirão subindo. E os corpos, caindo.

Redação enFoco

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