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O último gesto

Como veterinário, há momentos em que sou chamado não apenas a exercer minha profissão, mas a abrir espaço dentro de mim para acolher a dor de outra família. Entre todos os atos da medicina veterinária, nenhum carrega tanto peso quanto a eutanásia. E por mais anos que passem, por mais animais que eu acompanhe, nunca se torna um gesto leve, e talvez seja justamente isso que garante que ele seja realizado com a dignidade que merece.

A decisão de eutanasiar um animal jamais deve nascer de um único coração. É um diálogo profundo entre o responsável e o veterinário, onde cada pergunta é feita com cuidado e cada resposta é dada com honestidade. Carrego comigo a obrigação de esclarecer, sem suavizar nem dramatizar, qual é a real condição do paciente: sua dor, seu prognóstico, suas limitações e, sobretudo, sua qualidade de vida. Porque, no fim, é isso que realmente importa, a vida que ainda se vive, e não apenas o tempo que resta.

Mas também preciso ter a humildade de reconhecer que aquela família conhece o animal de um jeito que eu nunca conhecerei. São eles que presenciam as horas silenciosas, as pequenas alegrias, os sinais quase imperceptíveis de sofrimento. Por isso, minha função é orientar, nunca pressionar; acolher, nunca decidir sozinho. A eutanásia, quando necessária, deve ser um ato de amor compartilhado, não de imposição.

Quando finalmente chegamos juntos à conclusão de que a despedida é o caminho mais compassivo, há um ritual silencioso que acontece. Preparo o ambiente, diminuo as luzes, falo baixinho, toco com cuidado. Explico cada passo, porque ninguém merece enfrentar o desconhecido em um momento já tão difícil. E, enquanto acompanho aquele animal em sua última respiração, lembro sempre que minha missão não é apenas curar , é também saber respeitar o limite da vida e aliviar o sofrimento quando já não há retorno.

A eutanásia não é falha, não é derrota. É, muitas vezes, o último gesto de respeito. E cabe a nós, veterinários, conduzi-lo com sensibilidade, ética e uma profunda compaixão pela vida que estamos honrando até o fim.

Mariana

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