O momento mais mágico da vida e da batalha humana pela sobrevivência é a hora do parto. É o instante que pode representar o sucesso ou a frustração — por vezes, insuperáveis. Contudo, quando tudo acontece conforme o esperado, o clímax se dá no primeiro olhar, no primeiro contato pele a pele e no primeiro ato de oferecer o seio ao bebê. É a interação mais íntima dessa relação: a mais doce e afável da humanidade.
Nada é mais comprometedor, íntimo, desejado e importante que o aleitamento materno — passo decisivo no desenvolvimento da criança, seja no aspecto emocional, imunológico, nutricional ou em qualquer outra faceta.
Entretanto, a realidade muitas vezes se contrapõe à natureza. No mundo altamente produtivo, diversas mulheres deixam de amamentar por múltiplos fatores: pressão para o retorno ao trabalho, questões estéticas, insegurança quanto à capacidade de amamentar, ausência de equipes que as orientem, influência da indústria alimentícia, entre outros.
No Brasil, o início da amamentação ocorre em cerca de 95 % das mães. Todavia, a prática exclusiva por períodos prolongados ainda é baixa: apenas 43 % iniciam na primeira hora de vida — um número bastante reduzido. A média de duração da amamentação exclusiva é de apenas 1,4 mês, evidenciando a fragilidade dos cuidados com o aleitamento materno no país.
Em 2019, o aleitamento exclusivo até 6 meses era de 45,8 %. Em 2025, esse índice praticamente não mudou: 45,7 %.
No aleitamento exclusivo, o bebê recebe somente leite materno (direto da mama, ordenhado ou proveniente de banco de leite). Não recebe nenhum outro alimento ou líquido, nem mesmo água — sendo exceções apenas soluções de reidratação oral, vitaminas, minerais e medicamentos prescritos.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda aleitamento materno exclusivo nos primeiros 6 meses de vida e, a partir daí, a introdução gradual de outros alimentos, mantendo o aleitamento até, pelo menos, 2 anos ou mais.
A amamentação estendida apresenta índices de 53 % para crianças até 1 ano e de 61 % até 2 anos. Entre as crianças de 20 a 23 meses, 35,5 % ainda estão sendo amamentadas, com maiores prevalências nas regiões Nordeste (48 %), Sul (43 %) e Norte (39 %).
Historicamente, a evolução é de apenas 0,6 % ao ano, o que nos mantém distantes da meta de 70 % até 2030.
Indicador | Brasil (~2024-25) | Global (~2023-24) |
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Início da amamentação (ao nascer) | ≈ 95 % iniciam, ~43 % na 1ª hora | ~43 % (primeira hora) |
Aleitamento exclusivo até 6 meses (EBF) | ~45–46 % | ~48 % |
Amamentação até 1 ano | ~53 % | Alta, mas variável |
Amamentação até 2 anos | ~61 % | Meta global ≥ 60 % |
A OMS estabeleceu como meta alcançar pelo menos 70 % de aleitamento exclusivo até 6 meses e 50 % de início na primeira hora até 2025/2030.
Os fatores que dificultam esses avanços incluem uso de chupeta, primiparidade, oferta de prelacteais e diarreia nos primeiros dias de vida. O uso de prelacteais (“suplementos”) é especialmente desafiador devido à influência da propaganda das grandes indústrias, que deve ser rigidamente fiscalizada por órgãos governamentais para coibir mensagens desfavoráveis ao aleitamento exclusivo.
A suplementação ou substituição do leite materno exclusivo tem indicações específicas e restritas, devendo ocorrer somente por recomendação médica ou da equipe de saúde.
O Brasil conta com a Rede Brasileira de Bancos de Leite Humano — a maior do mundo — que oferece suporte e coleta para prematuros e bebês de baixo peso, contribuindo para a promoção da amamentação. Essa rede deve ser fortalecida e ampliada.
A Iniciativa Hospital Amigo da Criança (Baby-Friendly Hospital Initiative) também apresenta impacto positivo, aumentando as taxas de amamentação durante a internação e influenciando práticas locais. Há cerca de um ano, o Hospital Universitário de Santa Maria (HUSM/EBSERH) foi credenciado como Hospital Amigo da Criança, e os reflexos já se observam nos indicadores de pré-parto, pós-parto imediato e puericultura no maior hospital do Coração do Rio Grande.
Do ponto de vista legal, o Rio Grande do Sul possui leis que garantem o direito de amamentar em público e prevêem multas para quem impedir esse ato.
Em síntese, embora o país esteja próximo da média global, ainda está abaixo das metas da OMS. O crescimento nos índices de aleitamento exclusivo e estendido existe, mas é lento. É necessário acelerar.
Medidas como licença-maternidade adequada, licença para aleitamento, ambientes apropriados no trabalho, protocolos hospitalares favoráveis e legislação pró-aleitamento são fundamentais para elevar esses indicadores e favorecer a saúde materna e infantil.
Garantir o futuro de nossas crianças começa com a ação mais básica e instintiva da relação mãe-bebê. Precisamos oferecer condições emocionais, financeiras, trabalhistas e culturais para que as mães possam construir um futuro melhor para seus filhos.
Tudo começa nos primeiros minutos de vida — nos primeiros minutos de amor.