Nas últimas semanas, ao caminhar pelas margens de um córrego urbano em Santa Maria, a cena que encontrei foi chocante, mas infelizmente comum: uma verdadeira pilha de resíduos, formada por galhos secos, pedaços de madeira, plásticos, eletrodomésticos quebrados e até mesmo partes de móveis. Onde deveria existir apenas vegetação e água correndo livremente, vi a materialização de anos de descuido e de escolhas erradas feitas pela nossa sociedade.
A cena se repete em diferentes pontos da cidade. Televisores antigos, pias descartadas, restos de obras e lixo doméstico são “depositados” sem cerimônia às margens dos cursos d’água. O que parece um simples ato de descarte é, na verdade, uma agressão silenciosa e persistente contra o meio ambiente e contra nós mesmos. Porque cada pedaço de plástico jogado ali não desaparece. Cada resíduo orgânico mal disposto contribui para a degradação da água e do solo. Cada objeto abandonado se transforma em um marcador de irresponsabilidade coletiva.
Quando olhamos para a margem tomada por resíduos, vemos apenas a ponta de um problema muito maior. A chuva arrasta parte desse material para dentro do córrego, liberando substâncias tóxicas que contaminam a água. O solo, por sua vez, absorve líquidos provenientes de objetos em decomposição ou de resíduos perigosos, criando focos de poluição difusa. Aos poucos, o que deveria ser um manancial de vida torna-se um vetor de doenças, mau cheiro e risco para a fauna local.
Mais grave ainda é perceber que essa contaminação não respeita limites. A água poluída do córrego deságua em rios maiores, espalhando os impactos para além do ponto de descarte. Assim, o problema de uma esquina em Santa Maria transforma-se em um problema regional, afetando ecossistemas, comunidades rurais e até o abastecimento público.
O lixo às margens dos córregos não nasceu ontem. Ele é o resultado de um comportamento histórico, que atravessa gerações. Durante décadas, aprendemos a tratar a natureza como um grande depósito gratuito, um espaço onde tudo poderia ser descartado sem consequências. Essa mentalidade ultrapassada ainda resiste, mesmo diante de tanta informação sobre reciclagem, coleta seletiva e impactos ambientais.
Não se trata apenas de falta de infraestrutura urbana, embora ainda haja muito a melhorar nesse aspecto. Trata-se, sobretudo, de uma cultura da negligência. Muitos sabem que jogar lixo em áreas verdes e cursos d’água é errado, mas seguem fazendo, acreditando que “um a mais não fará diferença”. E é exatamente esse pensamento que nos trouxe até aqui, a uma realidade em que córregos urbanos estão virando lixões a céu aberto.
Santa Maria, assim como tantas cidades brasileiras, precisa urgentemente repensar sua relação com seus cursos d’água. É preciso cobrar do poder público políticas eficazes de fiscalização, educação ambiental e manejo de resíduos. Mas também é necessário olhar para dentro: cada morador tem responsabilidade direta sobre o que descarta e como descarta.
Não há justificativa plausível para abandonar uma televisão quebrada na beira do córrego. Não há desculpa para transformar a margem em depósito de entulhos. A mudança começa quando compreendemos que cada ato individual impacta o coletivo e que cuidar do meio ambiente é cuidar da saúde, da qualidade de vida e do futuro da cidade.
O lixo que hoje sufoca os córregos de Santa Maria não é apenas resíduo material. Ele é símbolo da falta de consciência que precisamos superar. Se não mudarmos agora, continuaremos entregando às próximas gerações rios mortos, solos contaminados e cidades sufocadas pela nossa própria irresponsabilidade.
Talvez o maior desafio não seja apenas limpar os córregos, mas limpar a mentalidade que insiste em tratá-los como lixeira. E esse desafio é de todos nós.