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Santa Maria sem Centro de Referência para Autismo: Uma lacuna que grita por atenção

Enquanto o Rio Grande do Sul avança com a ampliação da rede de atendimento para pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA), Santa Maria, um dos principais polos regionais do Estado, segue à margem dessa política pública essencial. Com uma população de cerca de 285 mil habitantes e referência em saúde e educação para dezenas de municípios vizinhos, a cidade ainda não conta com um Centro de Referência (CRR) específico para pessoas com TEA, uma ausência que evidencia um preocupante vazio assistencial.

Lançado pelo governo estadual em 2021, o Programa TEAcolhe já implantou 29 Centros Regionais de Referência em diversas regiões do Estado. Santa Maria, porém, ainda não foi contemplada. Com isso, os moradores do município enfrentam a necessidade de recorrer a atendimentos fragmentados, seja na rede privada ou em cidades vizinhas.

O município, infelizmente, ainda não conta com um centro exclusivo para o atendimento especializado de pessoas com Transtorno do Espectro Autista. O único programa voltado a esse público funciona atualmente dentro da APAE, onde a alta demanda frequentemente resulta em dificuldade de acesso e longas esperas por uma vaga.

Segundo a Presidente da Associação de Familiares e Apoiadores dos Autistas de Santa Maria, Ana padilha, essa lacuna causa impactos diretos na vida das famílias. “Sem esse suporte, há prejuízo significativo no desenvolvimento infantil. Cada mês perdido é um mês que não volta. Temos relatos de famílias que aguardam atendimento na APAE há mais de quatro anos”, afirma a presidente da instituição que atua reunindo famílias atípicas, oferecendo informação, apoio emocional e orientação sobre direitos desde a suspeita do diagnóstico até o acompanhamento terapêutico.

A associação destaca também que não se trata apenas de garantir terapias, mas de construir uma rede que acompanhe a pessoa com TEA ao longo da vida, com suporte também à família. “É necessário atendimento psicológico, psiquiátrico, orientação escolar e um olhar sensível à sobrecarga das mães e cuidadores. Hoje, esse olhar importa”, pontua Ana.

O que faz um Centro TEAcolhe?

Os Centros de Atendimento em Saúde do Programa TEAcolhe são estruturas que integram saúde, educação e assistência social. Neles, trabalham pelo menos seis profissionais especializados em TEA, com capacidade para atender até 1.200 vezes por mês. A proposta é oferecer diagnóstico, acompanhamento contínuo e suporte familiar, com foco na inclusão social e no desenvolvimento das habilidades dos usuários. Os Centros Regionais de Referência, por sua vez, são voltados a casos severos, funcionando como retaguarda para os municípios e orientando equipes locais.

Prioridades invertidas?

Segundo o vereador Fort, relator da Comissão Especial para acompanhamento das mães atípicas em busca de direitos de inclusão para seus filhos, é inegável a falta que faz o Centro de Referência ao Autismo. “As tratativas para a abertura do centro já estão em andamento. Já existe um local pré-determinado, mas estamos analisando se é o ideal. Falta apenas decidir para começar a dar andamento ao projeto”, informa.

Ele reforça ainda que as pessoas são selecionadas para atendimento pelo Sistema GERCON, podendo ser atendidas em outros municípios de referência ou onde houver vagas disponíveis. 

“No momento, existe a Comissão Especial para acompanhar as discussões com o Poder Executivo, no intuito de melhorar os atendimentos e diminuir a fila de espera. Quanto à transferência de recursos, o Sistema Tripartite do SUS paga por procedimento.” explica o vereador.

Segundo a APAE de Santa Maria, o acesso aos atendimentos ocorre via encaminhamento da Atenção Primária à Saúde (APS). A instituição mantém um convênio com o município para atendimento de 150 pessoas com TEA com equipe multiprofissional, mas alerta: “Não é possível estimar tempo de espera, pois o sistema GERCON é dinâmico e regulado por critérios de risco“, afirma a gerente de Saúde Márcia Stefanello Vendruscolo. Ela ainda reforça a importância da estimulação precoce e da capacitação contínua da rede, oferecendo também suporte técnico-pedagógico a profissionais da saúde, educação e assistência social da região.

O que diz o Executivo

A Secretaria Municipal de Saúde afirma que cerca de 620 pacientes com TEA são atualmente atendidos pelo município. A porta de entrada é a Atenção Primária, via Unidades Básicas de Saúde, com posterior encaminhamento à reabilitação intelectual, quando necessário. “Santa Maria já conta com um Centro de Atendimento em Saúde, que, junto à APAE, tem aumentado o número de atendimentos”, afirma o secretário da saúde, Guilherme Ribas. 

Ainda segundo Ribas, o município está trabalhando na estruturação de um futuro Centro de Referência municipal que virá para somar à atuação já existente. Antes disso, porém, o esforço está voltado à qualificação da rede atual: “Temos avançado consideravelmente. Por isso, pretendemos qualificar e aumentar o que já temos, antes de pensar em criar novos sistemas”, comenta. Ainda assim, não há data prevista para a instalação do centro específico, nem confirmação do espaço que abrigará o serviço.

O que diz a 4ª CRS

Segundo a 4ª Coordenadoria Regional de Saúde, a decisão sobre a instalação de novos serviços não cabe exclusivamente à esfera regional. Trata-se de uma deliberação conjunta, que envolve a análise da área técnica em Porto Alegre. Essa instância avalia qual local apresenta as condições mais adequadas, levando em conta que se trata de um serviço de abrangência regional.

Esperança no horizonte?

Apesar da frustração, mães, pais e apoiadores têm se mobilizado para pressionar o poder público. A Associação de Familiares e Apoiadores dos Autistas, a comissão de mães atípicas e outros grupos e entidades da sociedade civil vêm dialogando diretamente com gestores em busca de estratégias para viabilizar a criação de um centro de referência. Além dessa demanda central, o movimento também reivindica a redução da fila para consultas com neuropediatras, a realização de concursos para terapeutas ocupacionais e fonoaudiólogos, e a garantia da presença de monitores escolares para estudantes com TEA desde o início do ano letivo.

Para a APAE, é fundamental fortalecer a rede já existente com profissionais capacitados, fluxos de encaminhamento bem definidos e articulação entre os diferentes níveis de atenção. “Hoje, contamos com um Centro Macrorregional de Referência da rede TEAcolhe, (serviço do programa que oferece suporte técnico e retaguarda assistencial às equipes de saúde) que oferece matriciamento técnico às redes locais. Mas a crescente demanda exige constante qualificação, ampliação de equipes e políticas públicas que considerem o engajamento familiar como parte central do processo terapêutico“, afirma Márcia. 

Com conhecimento técnico, instituições de ensino, estrutura hospitalar e vontade política já em curso, o que falta, segundo as famílias, é transformar esse potencial em prioridade.

Por Samara Debiasi e Reinaldo Guidolin

Ana

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