Na manhã do dia 15/07, famílias indígenas Kaingang, em um total de cerca de 30 pessoas, incluindo crianças e idosos, ocuparam parte da área da extinta Fundação Estadual de Pesquisa Agropecuária (Fepagro), localizada no distrito de Boca do Monte. Vindos da região noroeste do estado, essas famílias buscam um novo lugar para viver, após serem atingidas pelas cheias do ano passado, e as fortes chuvas dos últimos meses.
Desde o primeiro dia, nosso mandato tem acompanhado de perto a situação, com solidariedade ativa e apoio político à iniciativa do grupo. Entendemos tratar-se de uma causa justa, uma vez que tratam-se de famílias desabrigadas pelas consequências da crise climática e, mais do que isso, de famílias indígenas em busca de recuperar seu território ancestral.
A defesa dos direitos dos povos indígenas é hoje uma das lutas mais importantes do Brasil, seja pelo seu conteúdo ancestral, seja porque é parte fundamental da luta pela preservação do meio-ambiente e de enfrentamento a esse modelo de exploração irracional e irresponsável dos nossos recursos naturais. Por outro lado, temos visto por parte das autoridades, sinais que apontam para o caminho contrário, com a adoção de medidas que vão na contramão da garantia de direitos aos povos originários e proteção ao meio-ambiente.
Exemplo disso, foi a aprovação, há algumas semanas, pelo Congresso Nacional, do chamado PL da Devastação, que fragiliza as regras para o licenciamento ambiental, mostrando que o negacionismo segue vivo e, infelizmente, com força suficiente para provocar retrocessos históricos como esse. Além de
aumentar consideravelmente os riscos de novas tragédias ambientais como as de Mariana, Brumadinho, ou mesmo a vivida aqui no estado no ano passado, o PL também ameaça a segurança e a vida de comunidades tradicionais, como indígenas e quilombolas.
Aqui mesmo na região metropolitana do estado, enfrentamos uma situação parecida com a das famílias Kaingang em Santa Maria. Em Viamão, um grupo de cerca de 57 famílias Mbyá Guarani vive sob a ameaça de um projeto do governo Eduardo leite (PSDB), que pretende repassar uma parte da área também da extinta Fepagro, ocupada por essas famílias, para o município, com o objetivo construir um centro logístico e empresarial. As famílias, por sua vez, lutam para que o território seja finalmente demarcado.
O mesmo governo Leite, através da Procuradoria Geral do Estado (PGE), ingressou com um pedido de reintegração de posse da área ocupada no distrito de Boca do Monte. Mesmo antes de qualquer decisão judicial, as famílias têm sido obrigadas a viver de maneira precária, com acesso limitado à energia elétrica, falta de água potável e sem abrigo adequado da chuva e do frio, por exemplo. Nesse cenário, a cooperação de sindicatos e movimentos sociais tem sido fundamental para a garantia da permanência no local. Permanência essa que, se depender das famílias Kaingang deve continuar.
Da nossa parte, nos solidarizamos com a Retomada Kaingang Ven Ga, que em nenhum momento se colocou como um óbice à continuidade das pesquisas realizadas no local ou ao funcionamento da Escola Municipal Boca do Monte, escola infantil instalada na área da Fepagro. Pelo contrário, o grupo propõe a convivência e a colaboração, com seus saberes ancestrais e as suas estratégias de conservação da natureza. O papel de todas e todos aqueles que se reivindicam defensores dos Direitos Humanos e do meio-ambiente, é cercar de solidariedade a Retomada, e se manter alerta em relação a qualquer ação de abuso ou truculência por parte do governo estadual. O Brasil e Santa Maria são território indígena, e a nossa luta é por demarcação já!
Foto: Renato Oliveira, Rádio Imembuí