Por: Eizzi Benites Melgarejo – advogada especialista em família e sucessões, sócia do escritório Urach, Jensen, Abaide, Melgarejo e Brum
A aquisição de um bem, especialmente de um imóvel ou de um veículo, costuma ser envolta por expectativas. O comprador, ao celebrar o negócio, deposita não apenas seu dinheiro, mas também sua confiança na integridade daquilo que adquire. Contudo, nem sempre a realidade corresponde ao que se prometeu — e é justamente nesse hiato entre o esperado e o entregue que surgem os vícios redibitórios e ocultos. O Direito, atento às imperfeições do mundo e dos contratos, oferece instrumentos para lidar com esses desvios, tutelando o adquirente diante daquilo que é defeituoso, mas dissimulado.
Vício redibitório é a imperfeição oculta existente na coisa adquirida, que a torna imprópria ao uso a que se destina, ou que diminui seu valor de forma sensível. O vício, para ser considerado redibitório, deve ser grave, oculto e preexistente à aquisição. Não basta, portanto, uma mera irregularidade estética ou um desgaste natural do tempo. O defeito há de comprometer substancialmente a funcionalidade ou a utilidade do bem, de modo que, se fosse conhecido, teria levado o comprador a não realizar o negócio ou a exigir abatimento no preço.
A distinção entre vício aparente e vício oculto é crucial. Os vícios aparentes, perceptíveis de imediato, são de fácil constatação e não ensejam a proteção redibitória. Já os ocultos, como o nome sugere, passam despercebidos até que, muitas vezes por meio de um evento desencadeador (uma chuva forte, um uso prolongado ou uma inspeção técnica ), revelam sua presença incômoda. São, por assim dizer, defeitos que moram sob a superfície, silenciosos, e que só revelam sua face quando a convivência com o bem já está firmada.
O Código Civil brasileiro trata do tema com elegância em seu artigo 441, estabelecendo que o alienante responde pelos vícios ocultos da coisa, ainda que os ignore. E mais: o comprador tem duas possibilidades jurídicas diante do vício redibitório, ou requer a redibição da coisa (a resolução do contrato, com devolução do bem e restituição do valor pago) ou postula o abatimento proporcional do preço. A escolha entre uma via e outra caberá ao prejudicado, a depender da extensão do vício e das suas próprias necessidades.
O prazo para exercício desses direitos é matéria que exige atenção. Segundo o artigo 445 do Código Civil, o comprador tem até 30 dias, se a coisa for móvel, e até um ano, se for imóvel, para exercer a pretensão redibitória, a contar da entrega da coisa. Contudo, se o vício for oculto e só se manifestar após esse momento, o prazo passa a contar da data em que o defeito se tornou evidente. É um prazo decadencial, e, portanto, não se interrompe nem se suspende, devendo ser exercido dentro de sua estrita delimitação temporal.
Quando a relação entre vendedor e comprador configura uma típica relação de consumo, o que ocorre, por exemplo, na compra de um imóvel ou veículo diretamente com a construtora ou concessionária, aplica-se o Código de Defesa do Consumidor, que traz regramento próprio. O artigo 26 do CDC prevê prazo de 90 dias para reclamação de vícios aparentes ou de fácil constatação em bens duráveis, também contados a partir da entrega ou do surgimento do vício oculto. E, nesses casos, o prazo é interrompido com a reclamação formal do consumidor, iniciando-se nova contagem após a resposta negativa do fornecedor ou o escoamento do prazo para reparo (30 dias, via de regra).
O exercício dos direitos decorrentes do vício redibitório deve ser acompanhado de provas robustas: laudos técnicos, registros fotográficos, histórico de reclamações, e, sobretudo, a comprovação de que o vício compromete a finalidade do bem. Em muitos casos, sobretudo nos litígios envolvendo imóveis, a prova pericial é o meio mais eficaz para se aferir a natureza e a origem do defeito.
O Judiciário, em sua jurisprudência consolidada, tem reconhecido a responsabilidade dos fornecedores mesmo em situações em que o vício somente se manifesta anos após a entrega do bem, desde que comprovada a natureza oculta e o impacto significativo. Tem-se, inclusive, admitido a cumulação da reparação material com a moral, nos casos em que os danos transcendem o patrimônio e atingem a dignidade do consumidor, especialmente quando há risco à saúde, perda de bem-estar ou abalo emocional duradouro.
Não se trata, portanto, apenas de identificar uma falha técnica no bem adquirido, mas de reconhecer que, por detrás da aparente solidez das coisas, podem ocultar-se fissuras que desafiam o equilíbrio contratual e a confiança do comprador. Os vícios redibitórios não são apenas imperfeições físicas; são, muitas vezes, a face visível de uma relação jurídica que não cumpriu o que prometeu.
Neste cenário, o Direito exerce sua função essencial: restabelecer a justiça diante do desequilíbrio, assegurando ao lesado os meios de recompor seu patrimônio ou, ao menos, de não suportar sozinho o peso de um negócio frustrado. Porque, no fim das contas, ainda que as coisas falhem, o Direito não deve falhar em protegê-las.
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