Eizzi Benites Melgarejo – OAB/RS 86.686
Especialista em Família e Sucessões
A violência nem sempre se apresenta de forma explícita. Dentro do próprio Poder Judiciário, onde se espera acolhimento, imparcialidade e proteção dos direitos fundamentais, também pode residir uma forma silenciosa e cruel de violência: a violência institucional. Ela se manifesta quando estruturas judiciais, procedimentos ou decisões deixam de cumprir o papel de garantir justiça e, ao contrário, revitimizam aqueles que já se encontram em condição de vulnerabilidade. Nos processos de família, esse fenômeno é particularmente sensível. A aplicação da Lei de Alienação Parental (Lei nº 12.318/2010), que nasceu com a finalidade de coibir práticas prejudiciais ao convívio da criança com um dos genitores, vem sendo, em muitos casos, banalizada e convertida em instrumento perverso contra mães protetoras. Em vez de proteger, a lei, mal aplicada, acaba invertendo papéis: a vítima passa a ser culpabilizada e rotulada de alienadora, enquanto situações graves de abuso ou risco à criança são relativizadas.
Um exemplo emblemático que ilustra essa distorção ocorreu em um processo que assumi já após a instrução. A mãe denunciava indícios claros de abuso contra a filha menor. Diversos laudos técnicos independentes apontavam para a necessidade de cautela. No entanto, a perícia judicial psicossocial – realizada em apenas uma única sessão – concluiu, de forma simplista, que não havia risco à criança. Pior: classificou a mãe como alienadora. A narrativa foi invertida: de vítima a culpada. O equívoco foi agravado pelo fato de a antiga procuradora não ter impugnado o laudo. A ausência de contestação processual consolidou uma prova frágil como se fosse absoluta, criando uma situação de quase irreversibilidade. Eis um retrato fiel de como a fragilidade técnica das perícias e a falta de contraditório efetivo podem gerar violência institucional.
Esse episódio reforça a responsabilidade do advogado em estar atento a cada detalhe do processo. Perícias rasas, laudos inconsistentes e avaliações superficiais não podem ser aceitos de forma acrítica. O dever da advocacia é impugnar, questionar, exigir profundidade e técnica, lembrando sempre que a finalidade da perícia não é apenas formalizar um procedimento, mas proteger a dignidade humana e, sobretudo, o interesse da criança. Quando a Justiça falha, é preciso agir. Há mecanismos institucionais disponíveis, inclusive a ferramenta específica do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para denúncias de violência institucional, que devem ser acionados sempre que decisões ou procedimentos ofendam o direito à ampla defesa, ao contraditório ou à proteção integral da criança e da mulher.
O medo é real: muitas mulheres, em contextos processuais delicados, receiam que qualquer prova apresentada em defesa do filho possa ser usada contra elas. Muitas vezes, a única forma de comprovar situações de abuso, especialmente quando se trata de crianças pequenas, são gravações de falas ou relatos espontâneos. E esse tipo de prova constantemente trava uma batalha nos tribunais, porque se entende que a mãe estaria sugestionando a criança. Ou seja, se a única forma de provar é essa, e essa prova transforma a mãe em uma cruel alienadora que “planta ideias”, enquanto laudos superficiais ainda reforçam essa interpretação, quem dará voz à proteção dessa criança? Que segurança essa mãe tem? A alienação parental, além de outras consequências, pode levar à inversão da guarda, punindo justamente quem buscou proteger. Imagine quantas mulheres se silenciam em provar o que seus filhos vivem com medo de uma lei mal aplicada e de um estudo psicológico raso, resumido em uma sessão de 50 minutos e dois parágrafos superficiais sobre a criança. Esse cenário cria uma paralisia que beneficia apenas os agressores e perpetua a violência, agora travestida de legalidade.
Perícias psicossociais são ferramentas valiosas, mas seu valor está na profundidade, no cuidado e no compromisso ético com a verdade. Quando esse dever falha, a consequência é devastadora: a Justiça, em vez de escudo, se torna arma contra quem mais precisa dela. Por isso, é papel do advogado não apenas litigar, mas vigiar, denunciar, orientar e agir. A violência institucional não pode ser naturalizada. Cada decisão mal fundamentada, cada laudo superficial e cada aplicação distorcida da lei pode custar a vida, a saúde mental e a dignidade de mães e crianças. A advocacia, nesse cenário, é mais do que profissão: é resistência e voz contra o silêncio imposto pela injustiça.
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