O dicionário descreve “detalhe” como uma minúcia, pormenor, pequeno elemento. Mas ouso discordar dessa descrição. Para mim, um detalhe não é tão pequeno assim. “Quero te contar uma coisa, mas fique nesse vídeo até o final, pois o final vai te surpreender.” Isso é um hook de curiosidade, um gancho usado no marketing para fazer alguém permanecer até o fim. Um detalhe de dois segundos, mas que pode ser justamente esse ínfimo frame responsável por viralizar ou flopar o teu conteúdo. Um detalhe.
Aprendi a ser minuciosamente detalhista na minha vida. Mas, ainda assim, alguns detalhes deixei passar. Alguns desses pequenos deslizes me entristecem até hoje. Um deles foi o dia em que cheguei apressada na casa dos meus pais, atrasada, e na ânsia de correr para o trabalho não desci do carro para abraçar meu avô. Imaginei que faria isso no outro dia, como sempre. Mas foi a minha última chance. Foi um detalhe, mas foi dos grandes.
Desde então, passei a ser mais vigilante e cuidadosa com esse termo pequeno, mas que pode representar muito. Na vida, no amor, na profissão, na saúde, em tudo.
Um detalhe te faz perder um casamento. O que não vemos é que, na maioria das vezes, o detalhe não é singular. Ele é plural, é um conjunto de várias partículas de negligência e esquecimento. Aqui, trabalhando com famílias, já vi detalhes demais. É aquela pequena acomodação, o esquecimento de perguntar como foi o dia, as pequenas ausências que se tornam grandes, a rotina minada pela aspereza das palavras que um dia já foram doces. É o detalhe que já não é pequeno.
Outro detalhe que comprova o perigo dessa palavra é o quanto não prestamos atenção às pequenas minúcias do dia, que na verdade são presentes escondidos que a gente não abre. É não aceitar cada convite do teu filho para brincar de qualquer coisa que seja, sem se dar conta de que essa pode ser a última vez que ele fez aquilo ou te convidou para aquilo. Cada dia que eles vivem é uma despedida e um convite para uma nova fase.
É perceber que talvez, no dia seguinte, ele não te chame mais de mamãe, apenas de mãe. Ou que prefira a companhia dos amigos em vez da tua. É nesse acúmulo de pequenas últimas vezes que mora o perigo. Se fores desatento aos detalhes, vai perdê-las uma a uma, sem perceber que a cada dia que passa estás te despedindo daquela versão mais nova do teu filho e, de igual forma, de ti mesma.
O detalhe, na minha profissão, é quase sempre tudo. Ele pode definir o resultado de um processo. Um detalhe pode te fazer ganhar; um detalhe pode pôr tudo a perder. Ele não é pequeno, é gigante. Encontrar o detalhe é como achar uma pedra preciosa. Um erro grande grita aos olhos, no processo, na vida, no amor. Um detalhe não. Ele vem silencioso, escondido e sorrateiro. Pode ser um presente ou pode ser o algoz.
Detalhes salvam e levam vidas. Um erro de digitação em uma prescrição médica pode parecer detalhe. Um pisca que você não deu na curva pode parecer detalhe. Um contrato que você assinou correndo pode parecer detalhe. Um documento esquecido, uma frase fora de contexto podem parecer detalhes. Mas quase nunca são. E, quando digo que são sorrateiros, é por isso: são fáceis de negligenciar e difíceis de consertar.
É no detalhe que você entende o final daquela série da Netflix que teve um enorme plot twist. Se você prestou atenção, tudo estava na narrativa desde o início, no detalhe. Se não foi atento, é possível que tenha que assistir à resenha do final explicado no YouTube.
O difícil é admitir que vivemos como quem passa rápido demais pelos próprios dias, certos de que sempre haverá um depois para corrigir a falta de atenção. Mas o depois não é uma promessa. Às vezes é só uma suposição confortável que fazemos para não encarar o fato de que a vida cobra juros altos quando deixamos passar aquilo que parecia mínimo.
E, ainda assim, continuamos buscando acontecimentos grandiosos para justificar mudanças que, na verdade, começam em pontos microscópicos. O vínculo se desfaz no detalhe. O encantamento nasce no detalhe. A confiança se constrói no detalhe. A perda também. Nada desmorona ou floresce do nada. Sempre existe um primeiro arranhão, uma primeira fresta, um primeiro gesto que anuncia o que virá.
Os detalhes contam a história inteira antes que ela aconteça. São eles que moldam o rumo das relações, dos processos, da saúde, das escolhas. São eles que revelam aquilo que julgávamos invisível. E, quase sempre, são eles que explicam o que parecia inexplicável.
No fim, percebo que a vida é menos sobre grandes acontecimentos e mais sobre aquilo que fazemos entre eles. É menos sobre o impacto final e mais sobre tudo o que passamos despercebendo no trajeto. O detalhe é onde tudo começa e onde tudo se revela.
E talvez seja justamente isso que a gente demore a entender. O detalhe não é pequeno. O detalhe é o enredo. É nele que mora a verdade, o aviso, o caminho, o desfecho, a falha no processo. É nele que a vida sussurra antes de falar alto. É nele que o final já estava escrito desde o início, esperando que alguém prestasse atenção.
Não despreze o detalhe. Não assine contratos sem ler, dê o pisca, olhe com atenção os desenhos do teu filho, foque menos no celular e mais no teu companheiro e, sob hipótese alguma, deixe de descer do carro para dar um abraço.
Por Eizzi Benites Melgarejo – Advogada (OAB/RS 86.686)








