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A liberdade de expressão tem preço e tem quem pode pagar

Alguns dizem que a censura morreu, que agora todos podem falar. O megafone está acessível a qualquer um, basta ter um smartphone e coragem para usá-lo. Já outros dizem que vivemos em uma ditadura. Talvez de fato estejamos vivendo tempos em que não se pode mais falar determinados assuntos.

Eis que a vida, em sua ironia crua, nos apresenta esse paradoxo trágico. A morte de um influenciador de extrema-direita, por si só um evento de dor humana inquestionável, desencadeia uma série de acontecimentos que culminam no verdadeiro mecanismo de controle de nossa era. Não vieram homens de uniforme apreender impressoras. Vieram e-mails corporativos, notas de “reposicionamento” e atualizações de políticas de uso de plataformas. O boicote organizado, a demissão sumária, o visto americano negado por opiniões passadas, tudo isso é a face moderna de uma censura muito mais eficiente, porque não precisa se declarar como tal.

A gritaria é grande de um lado: “É censura!”. E do outro: “São apenas consequências!”. E no meio desse ruído, perdemos o fio da meada. A questão central não é se há direito de se demitir alguém por declarações vergonhosas, há. A questão é: quem detém o poder de definir quais são as “consequências” cabais e, principalmente, quem está imune a elas?

A verdadeira censura não é a que cala o discurso ofensivo ou radical. É a que silencia seletivamente, com base em um algoritmo de poder e conveniência. É a censura do poder econômico. O mesmo grupo que defende uma liberdade de expressão irrestrita para suas próprias ideias, por mais que machuquem, ameacem ou difamem, é o primeiro a acionar seus escritórios de advocacia e seus conglomerados de mídia. Parlamentares que não tem trabalho a fazer, querem calar qualquer voz que os contradiga. Eles não querem um debate de ideias, querem um monólogo amplificado.

A espiral do silêncio, teoria brilhante, nunca foi tão atual. Ela nos diz que as pessoas tendem a se calar quando sentem que sua opinião é minoritária ou socialmente desaprovada, por medo do isolamento. Hoje, o “isolamento” não é apenas social. É profissional, é financeiro, é existencial. Quem ousará defender um ponto de vista genuinamente dissidente do “corporativo” se a consequência pode ser a perda do emprego, cancelamento de seu negócio e até mesmo ostracismo digital que equivale a uma morte civil?

A desigualdade é o combustível desse sistema. Enquanto você, assalariado, pode ser demitido por um tweet, o bilionário dono da empresa pode gastar milhões para espalhar desinformação e discurso de ódio sem sofrer as tais “consequências”. Ele está blindado pela fortuna. Sua palavra tem peso de ouro, enquanto a sua tem o peso descartável de um currículo que pode ser para a lixeira a qualquer momento.

Essa é a alfândega do discurso moderno. As opiniões não são julgadas por sua veracidade ou por seu valor para o debate público, mas por seu alinhamento com os interesses de quem patrocina a praça. Podem passar todos os xingamentos, as fake news, os discursos de ódio, desde que não atinjam os donos do poder. Mas tentem criticar esse mesmo poder, expor suas contradições, ameaçar seus privilégios… Ah, essas palavras terão sua entrada barrada na hora. São “polarizadoras”, “divisivas”, “prejudiciais ao ambiente de negócios”.

Portanto, a próxima vez que você vir uma campanha de cancelamento, não se pergunte apenas sobre o que foi dito. Pergunte-se: quem pode ser cancelado? Quem está cancelando? E, principalmente, quem está por trás dos canceladores? A verdadeira censura não usa mais carimbo vermelho de “proibido”. Usa o carimbo invisível e onipresente do mercado. E esse, todos sabemos, é o mais difícil de combater.

Reinaldo Guidolin

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