Estamos vivendo o tempo do capitalismo, do digital, do imediatismo. Relógios que correm contra o tempo do corpo, da mente e da alma. Nesse choque de engrenagens, esquecemos de olhar para nós mesmos e, pior, de olhar para os outros.
Setembro Amarelo nasce justamente desse chamado: ainda há tempo de ressignificar e “amarelar”, de desacelerar, de admitir a fragilidade, de pedir ou oferecer ajuda. Não é um mês datado pelo marketing, apesar de muitas vezes se reduzir a isso, é um lembrete de que milhares de vidas ainda estão em risco. No Brasil, segundo a OMS, os registros se aproximam de 14 mil suicídios por ano — cerca de 38 pessoas por dia. É muita gente pra gente perder por falta de cuidado, né?
A cor amarela que hoje veste esse mês vem de uma história dura: em 1994, Mike Emme, um jovem de 17 anos, tirou a própria vida dentro do Mustang amarelo que ele mesmo havia restaurado. No velório, seus pais distribuíram fitas amarelas com o recado: “Se precisar, peça ajuda.” O luto daquela família se transformou em luta, e no Brasil essa campanha ganhou corpo com ações organizadas por instituições como o Centro de Valorização da Vida (CVV), o Conselho Federal de Medicina (CFM) e a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), a partir de 2015.
A depressão, no entanto, continua invisível no dia a dia. Se tenho hipertensão, tomo remédio, mudo a alimentação, faço exercício. Se tenho depressão, é “frescura”, “falta de Deus” ou “preguiça”. Segundo a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS 2019), 10,2% dos adultos declararam ter diagnóstico de depressão — o equivalente a cerca de 16,3 milhões de brasileiros com 18 anos ou mais. Esses números comprovam que muitos casos permanecem sem diagnóstico ou sem tratamento adequado, e que boa parte das mortes por suicídio está relacionada a transtornos mentais.
Mas por que é mais aceitável dizer “estou ansioso” do que “estou deprimido”? Qual a dificuldade em admitir que a vida perdeu a cor? A depressão é um câncer na alma. Ela nos paralisa, nos impede de ver soluções e pesa ainda mais quando lembramos de tudo que já fomos capazes um dia, mas não conseguimos dar sequer o primeiro passo hoje.
Empatia não se ensina, se sente. Não existe culpa para quem adoece. Mas há uma dor imensa para quem fica quando a ajuda chega tarde demais. Quanto tempo você tem passado na frente das telas ao invés de olhar verdadeiramente para seus avós, filhos, amigos?
Por isso precisamos ressignificar o tempo. Ele não pode ser apenas o relógio do capital, que nos obriga a trabalhar seis dias para pagar boletos que vencem todos os meses. O estado precisa potencializar seus programas de atendimento, como o CAPS, e pulverizar incentivos eficazes para que todos sintam mais acolhimento e leveza ao buscar tratamento. O tempo precisa ser aliado da cura, do cuidado, da esperança de que essa fase vai passar.
Para quem acha que tem depressão, divida seus pensamentos com sua rede de apoio e procure ajuda. Para quem minimiza a doença do outro, também procure ajuda, o mundo está precisando de pessoas melhores.
Amarelar, aqui, não é sinônimo de fraqueza. É coragem. É pausa. É admitir que não damos conta sozinhos. Setembro Amarelo só existe porque vidas ainda estão em risco e porque ainda há tempo de salvar muitas delas. O que precisamos é do primeiro passo, seja buscando tratamento, conversar com quem terá empatia ou até mesmo voltando a ser colunista que escreve sobre suas inquietudes, sem desistir de si e nem dos outros.