Já reparou que médico humano não tem a menor cerimônia em pedir uma bateria de exames que, sozinhos, fariam inveja ao PIB de um pequeno município? Dor de cabeça? Ressonância. Tosse? Tomografia. Suspeita de unha encravada? Exame de sangue com 48 marcadores. O paciente engole seco e segue o baile. Afinal, “é pra saúde, doutor!”.
Agora, observe um veterinário diante da mesma situação. Ele até sabe que o melhor para o bichinho seria um exame sofisticado, um tratamento de ponta, um protocolo digno da medicina de precisão. Mas o que acontece? Um receio quase freudiano toma conta: “E se o tutor achar caro? E se me acusarem de mercenário? Melhor indicar o básico…”. O resultado: o animal não recebe o que há de melhor, e o veterinário acumula gastrite e frustração.
Esse fenômeno eu chamo de síndrome do bolso alheio. Uma espécie de empatia mal calibrada, em que o profissional decide, sem ser consultado, quanto o outro pode ou não pagar. O detalhe curioso é que o tutor, muitas vezes, estaria disposto a investir, mas nunca terá essa chance, já que a opção premium foi cortada na raiz, em nome de um paternalismo financeiro.
Os médicos humanos, nesse ponto, dão uma lição de pragmatismo: não negociam com o diagnóstico. Indicam o que precisa ser feito. Quem decide sobre o bolso é o paciente (ou seu cartão de crédito). Parece frio? Talvez. Mas é eficaz.
E aqui está a provocação: não seria mais honesto e até mais ético que o veterinário apresentasse todas as possibilidades, sem assumir a responsabilidade de “proteger” o tutor do preço? Afinal, o tutor pode reclamar, chorar, parcelar em 12 vezes… mas, no fim, ele agradece ter tido escolha.
Enquanto isso, o gato segue tossindo, o cachorro mancando, e o veterinário filosofando: “melhor não sugerir, vai que assusta”. Talvez o que assuste de verdade seja perceber que, no fim das contas, o medo não é do bolso do tutor, mas do próprio julgamento.